Pular para o conteúdo principal

Por que ser um ornitorrinco que fala russo até 2012?

[Estado de espírito: tomando um shake de banana]

"Haverá tsunamis", continua Tatiana, "e especialmente onde tem oceanos, haverá tsunamis", bebeu mais um gole de chá, "esse inverno, por exemplo, foi muito frio, em 2012 defintivamente tudo se acabará". E ela disse isso com a calma de quem continua bebendo chá. Eu, recupero a sanidade e a paciência e imagino Yupaghyztrepafufericonlilos.


[Maias, you're doing it wrong.]

Tinha um calo enorme na mão, não bastasse a areia entrando no olho, os mosquitos não tiravam férias e não voavam para o Sul por causa do inverno, porque ali já era o Sul, aquilo tudo foi enchendo-lhe a paciência aos poucos, largou os papéis, digo, pedras, deu um salto com a ponta do pé e sabendo que tinha gastado a vida toda calculando cinco mil anos de um calendário, matou os mosquitos, o vento, o Sul, o Norte. Seu nome era Yupaghyztrepafufericonlilos, nacionalidade: maia, e foi ele quem teve preguiça de continuar fazendo o calendário e resolveu matar todo mundo. J.K. Rowling matou todo mundo (e deus não te perdoa por matar um dos gêmeos, que isso não se repita), Bernardo Guimarães matou Margarida, Angela Gutiérrez atirou para todos os lados, Luzia-homem não matou, mas arrancou o olho de Crapiúna; Bukowski não matou o Chinaski porque precisava de um motivo para continuar bebendo; os suecos que têm a vida perfeita e não têm mais o que adicionar aos capítulos dessa vida de perfeição, têm um notável nível de suicídios; Virginia Woolf, depois de querer matar todo mundo, matou-se - digo, as vezes os autores matam só para acabar o livro, logo. E aquele senhor, que eu chamarei de Homos Calendarus, estava puto depois de calcular 5 mil anos de calendário e resolveu matar todo o mundo. É uma merda quando o mundo inteiro resolve dar ouvidos ao Jim Jones de novo. Agora se 2012 chegar e uma tsunami me engolir, me matem porque eu estava errada - o que eu quero dizer é que, entre eu e o Mundo Querendo Morrer Em 2012, quem ganha sou eu, senão o Mundo pode me matar. É por isso que em 2012 tenho uma expedição planejada de Moscow até Pequim, e de Pequim até o Tibet; enquanto isso em Amsterdã o Homo sapiens vai a loucura aproveitando os últimos dias, ou o Homos burrus acreditandus profecius. E tudo isso, meus caros, devido a procrastinação de um único maia, o Homo calendarus. Não procrastinem e continuem calculando calendários mesmo se cinco mil anos já foram calculados, e a raça humana agradece e pode continuar a ser medíocre, a clonar seres humanos, fazer nano celulares, cérebros eletrônicos e tudo que o Homo acreditandus spp acredita serem sinais para o apocalipse. Se ter celular, ipod, internet, kindle, wi-fi é o que se encontra no meio da estrada que acaba no fim do mundo, então que assim seja, AMÉM. Esqueçam os maias e Jim Jones e façam jus ao nível evolucionário e esqueçam toda a coisa sobre 2012 e suicídios em massa. Golfinhos não cometem suicídio em massa, nem formigas, nem onitorringos, seres subjugados e evidentemente superiores e que não fazem calendários e portanto não procrastinam. Sejam onitorringos e me encontrem no Tibet em 2012.


[Luzia-homem é cabra-macho: tem cabelo na axila e arranca olhos]

E já que estamos em 2010, até 2012 suponho que até uma ameba consiga aprender russo. E porque meter-se nessa empreitada? Dez motivos para aprender russo até 2012 (não que o mundo VÁ acabar em 2012, mas já que o número está sendo abusado hoje, que continue sendo abusado).

1. Ninguém vai acreditar que você fala russo. As pessoas estão tão cheias de si mesmas e acham que russo é uma língua que só existe na 87a dimensão (a mesma onde encontra-se o Papa jogando pinball), mas a questão é que o Papa joga, sim, pinball, e a língua russa existe.

"Você fala RUS-SO?"
"Sim."
"NOSSA! Não conheço ninguém que fala russo"
Pensando para si mesmo, vocÊ se repete: eu conheço umas 27 Olgas, umas 67 Tatianas, 84 Mashas e Sashas e Kolyas e Olyas e Pavels que falam russo.

2. "Por que não?", é o que eu sempre me pergunto antes de qualquer empreitada.

3. Você irá se deliciar com os seis casos, e o pior disso tudo é que depois de estudá-los vai por-se de joelhos na frente do seu livro de gramática e dizer "você tinha razão" e concordar que todos eles são necessários para a comunicação, e COMUNICAÇÃO é o que move o Planeta Terra, esqueçam da Lei da Inércia. Aqui vai um exemplo que vai fazer a língua portuguesa sentir que... falta alguma coisa nessa língua?


[Um tamanduá, um pato ou uma coisinha? Não, isso é um ornitorrinco]

Nominativo:
(em português) Meu amigo é um ornitorrinco
(em russo, alfabeto cirílico) Мой друг утконос_
(em russo transliterado) Moi drug utkonos_

Acusativo:
Meu amigo come um ornitorrinco
Мой друг ест утконоса
Moi drug est utkonosa

Dativo:
Meu amigo escreve uma carta ao ornitorrinco
Мой друг пишет письмо утконосу
Moi drug pishet pis'mo utkonosu

Prepositivo:
Meu amigo vê pintas cor de rosa no ornitorrinco e acha que ele possa estar doente.
Мой друг видет розовые пятна в утконосе и думает, что может быть он болеет.
Moi drug videt rozovie pyatna v utkonose i dumaet, chto mozhet bit' on boleet.

Genitivo:
Meu amigo procura os remédios do ornitorrinco na pochete do ornitorrinco.
Мой друг ищет лекарства утконоса в сумочке утконоса.
Moi drug ischet lekarstva utkonosa v sumochke utkonosa.

Instrumental:
Meu amigo freqüentemente viaja com o ornitorrinco.
Мой друг часто езжает с утконосом.
Moi drug chasto eszhaet s utkonosom

Agora vamos ver como fica ornitorrinco em português e em russo:
Utkonos = ornitorrinco
Utkonosa = ornitorrinco
Utkonosu = ornitorrinco
v Utkonose = ornitorrinco
Utkonosa = ornitorrinco
s Utkonosom = ornitorrinco

Uma vez me perguntaram sobre cientistas brasileiros famosos (?). Brinquei com os polegares, pensei, refleti, viajei por aulas distantes da quinta-série e só consegui pensar em Santos Dumont, enquanto um lado da minha mente me falava que não, foram os Brothers Wright. Disse Santos Dumont, o pioneiro da aviação, de qualquer forma. A pergunta é: será que uma língua utterly mais complicada não influencia no desenvolvimento intelectual de uma nação? Não vou além disso e deixo a reflexão em aberto: A Rússia tem muitos cientistas famosos. [pausa para reflexão aqui]


[Os russos foram até o espaço. Santos Dumont voou alguns metros acima da terra.]

4. Você, que lê Dostoiévski em português e acha que foi uma experiência suficientemente filosófica, não saiu de patamar intelectual. Ler, seja, Dostoiévski, Turgeneev, Pushkin, Nakrasov, Tolstói, Górki em outra língua senão em russo, é um gasto de papel e de tempo.

5. Porque no próximo inverno, quando fizer -35 pela primeira vez e alguém te parar da rua para falar que o seu nariz está sangrando, assim: "Кровь идиёт из вашего носа", é melhor você entender, porque não se sente nenhum músculo do corpo sob essa temperatura e o sangue vai continuar a sair do seu nariz e você não vai sentir. A coisa só fica melhor se envolvermos hemofilia.

6. Porque você vai passar por essa fase de leitura socialista e vai descobrir que Stálin é GEORGIANO e não RUSSO. E que a Rússia esconde esse fato do mundo para conservar um pouco de auto-estima.


["Stalin" Google - você quis dizer: o georgiano que tinha um grande país e um grande bigode]

7. Você vai poder ler os rótulos de água e não comprar água com gás ao invés de água sem gás. Visto que água com gás, desde o começo, sempre foi uma idéia muito estúpida de se fazer água.

8. Não importa se você se formou em Harvard, descobriu a cura para o câncer, clonou o primeiro ser humano ou o primeiro ornitorrinco, as pessoas sempre vão lembrar de você como "aquele sujeito excêntrico que fala russo".

9. Você vai poder se comunicar pelo espaço do maior país do mundo, mas no meio do processo vai descobrir que o maior país do mundo é uma balela, e que aqueles menininhos de olhos puxados que vêm do oblast da Bashkíria têm o próprio presidente, têm uma língua própria e não se parecem nada com os russos que se dizem russos. Isso não seria condenável se fosse só o oblast Bashkir, mas basta caminhar mais um pouco pelo... hm, maior país do mundo e ir para o oblast de Cheboksary e saber que eles também têm o próprio presidente e a própria língua; que em Kazan também acontece isso, e que por acaso, na Sibéria também. Então, da próxima vez que um russo se vangloriar dizendo que a Rússia é o maior país do mundo, você rirá cruelmente consigo mesmo, e descobrirá na próxima aula de geografia que não era só Bashkir, Cheboksary e Tartarstão, e que existem 21 repúblicas independentes dentro da Rússia total e culturalmente independentes. E você ri, mais uma vez, cruelmente, olhando para o outro lado do oceano, sabendo que o Brasil, pelo menos, por toda a sua extensão, é Brasil, fala português, tem só um presidente e come arroz com feijão.

10. Você vai poder viajar de trem. Acontece nos trens, às vezes, de você viajar com a seleção de hockey, com soldados, conhecer um senhor simpático de cabelos longos que gosta de Sepultura, mobilizar um vagão inteiro a procura das suas Havainas que caíram da sua bicama durante a noite, conhecer um romeno que não fala romeno, ou jogar conversa fora com um russo jogando cartas enquanto ele perde o senso da vida e o comum bebendo a segunda garrafa de vodka. Nada disso seria possível se você não falasse russo.


[Trens russos: you're missing out. Chícaras para chá e água quente são fornecidas no trem, além de uma cama mais ou menos e uma mesinha onde se desenrola não uma viagem, mas um contato com russo(s) excêntrico(s). Only russian speakers allowed.]




E não é que no Brasil tem colônias russas (vídeo)? Tem, e eles estão presos no tempo em que a Rússia era mais ortodoxa que hoje, vítima da mesma coisa que aconteceu em qualquer país do mundo: pra quê religião se eu posso ganhar dinheiro? A verdade é que ao Brasil não chegaram seres tão ilustres e não formaram colônias tão ilustres, lendo "1808", viaja-se pelas entranhas das fobias de João VI e pergunta como diabos as Forças que movem o universo e fabricam alimentos enlatados deixaram que aquele homem tornasesse rei. A resposta é simples. Alimentos enlatados ainda não existiam, já que Pasteur ainda estava por vir, por isso as Forças não funcionavam com total eficiência. Eu diria que o livro é um dossiê Brasil, mas que faltou desenvoltura do Senhor Laurentino Gomes no modo de escrita, um tanto bobo como quem somente conta a história e não viaja por ela.

Assistindo The Tudors, não só pelo Meyers, His Majesty, vê-se alguém que deveria ser rei, diferente do nosso João VI, Henrique VIII enjoava de uma esposa como se falassa "You'll be the queen if you let me cut your head off soon", e guilhotina. Apesar das falhas da série (fatos errados etc.), eu recomendo para qualquer ser que se interesse ou não por monarquias a série de cinco livros A Autobiografia de Henrique VIII, ainda pondo papeizinhos na caixinha de reclamações do Senhor Laurentino Gomes, Margaret George soube viajar pela história sem acabar soando lunática. Para ler um volume por dia.

E agora meus caros, jantar-me-ei (não me condenem aqui pelo uso inadequado de mesóclise, é só pelo ego de engrandecer a língua portuguesa mesmo), 6 horas antes de vocês todos, pontua aqui, o Ser do Futuro.


[Ser do futuro: "Quantas utilidades teriam olhos nas mãos?"]
Deixo em aberto o mistério que são os ornitorringos, o Santo Graal, e... Olhos nas mãos?

Por favor se alguém souber de cientistas brasileiros, que me informe, eu como embaixadora do Brasil por aqui, nessa parte estão me faltando os argumentos e os motivos para empinar o nariz.

Pontuo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RIANNE (eu,ich, ja, I, yo), A COLONIZADORA.

Toda criança normal tem como lembrança normal algum parque ou algo extremamente colorido. A primeira lembrança que eu tenho é de um corredor de hotel, uma janela no fim. Depois... Perguntaram-me em New Jersey se o que eu falava era brasileiro ou espanhol, peguei a bicicleta, achei graça e ralei o joelho - não exatamente nessa ordem, mas nada que me impedisse de ir comprar comida chinesa em caixinha do outro lado da rua, eu sempre kept the creeps quanto à vendedora, ela era alta demais pra uma chinesa. Foi nessa época que criei um certo trauma em relação a indianos, o acento indiano é um negócio a se discutir - parei de comer dunkin donuts. Era uma máfia, em todo Dunkin Donut e posto de gasolina só se trabalhava indiano. Admito que só fazia ESL pra perder aula, mas o mundo inteiro precisava sentar em um teatro e ver a cara da Miss Rudek, quando eu, o Hupert (chinês), e a Katrina (mexicana) passamos a ser crianças sem línguas maternas: Havíamos aprendido duas ao mesmo tempo, com um empur

Purple crutches

“I wish you a great future”, then she gave me her hand - similar to a peace offering. She had a simple case of a stomach ulcer, I had patched her up around 3am in our ER, I had simply asked her if there had been any unusual stress in her life lately, to which she replied “I had kids too early, I wish I had done more with my life”. I could feel the courage-fuel she was burning while saying these words. I didn’t give her any speech. Just admiration, and a small part of me smirked at my childhood hoping my mother had realized that sooner. Well, she didn’t. I made my life’s mission to become exactly the opposite of her. As I typed in another ER report for the 27-year-old sitting next to me, I came to an uncomfortable realization: how not often patients wish us anything at all, like we’re not people, like we don’t have feelings. She had wished me as much as a great future - that’s a lot. I hope she knows that’s exactly what I wished her, too. Truth is, I felt like my emotional energy could

Malibu, 2025.

Malibu, 2025. Note to self. It had been already snowing. Awfully early to, but it was Moscow. Normally, after the first snow I’d meet Seda and she would complain about every single aspect of her life and connect it to the snow fall and the coming winter. Now, however, it was just me. I remember I had been looking for emotional sustainability. I, yet, couldn’t find the equivalent of “green, sustainable” for feelings. I was not sure either it was a color. Oh. Right. It was exac tly the things that happened after we graduated that defined us. I died my hair blond, took off to Vienna to meet old affairs and taste the Austrian cuisine (all of it, but I specialized on schnitzels and apfelstrudels). Martin moved with Masha and Domenico to the countryside, after which they became gypsies in the alps. Seda took off with Gennady to the United States in the pursuit of happiness according to the American constitution. I became a vegan after that, but remained blond. Seda ended up working tem