Pular para o conteúdo principal

Peixe de asfalto

[Mais que justamente dedicado a todos os moradores do Meireles em Fortaleza]

Well I go to the country to find myself
Crawl back to the city to lose myself again
Under lights this joke is wearing thin
Well it's easy to be a winner when you don't know what you've lost
It's easy to be a believer
In you

Lá fora chove, provavelmente a evolução nos presenteou com mais sessenta e cinco espécies de peixe encontrados única e exclusivamente em enchentes, nadando sobre o asfalto. Que o mundo perdeu o equilíbrio é muito claro: existe uma cratera no final da Abolição, há quem fale em meteoritos mas foi só a vontade da água. E ainda quando falta luz em um bairro inteiro, que não sabe funcionar sem seus semáforos, você realmente se pergunta "what the hell". No entanto, enquanto eu olhava pela janela minuto sim, minuto não, ouvindo música do mp3 e deixando ao léu um computador sem internet e duas horas de bateria, em uma dessas vezes as luzes de todos os prédios começaram a se acender e foi um espetáculo, palavra de quem já viu a Torre Eiffel piscando e se surpreendeu mais com isso. Na verdade, a Torre Eiffel não me causou grandes impressões e não estou sendo cruel. Eu só conseguia pensar no Saramago naquela escuridão e de quantos ângulos é possível analisar um ser humano no escuro. Quando a luz voltou, pareceu-me que voltávamos a ignorância, apesar de toda a coisa da eletricidade ser progresso, mas sempre sinto que no escuro os pensamentos ficam mais claros. À noite. De dia somos mecânicos. À noite tudo depende da lua. Voltava para casa a pé debaixo de chuva, tentando não deslizar nas calçadas de prédios escorregadias e tentando botar algum perspectiva na minha vida tetraplégica, consegui sentir a cidade mais. Se fosse de noite seriam os dois elementos: o escuro e a noite, que nos fazem cavar tão fundo dentro de nos até acharmos o que procurávamos e não sabíamos exatamente o que era. Senti do nada um cheiro de jambo vindo de uma dessas árvores que continuam plantadas para nos lembrar de um pouco da nossa humanidade e desafiando o asfalto, o sentimento se completou. Se a cena pudesse ser reproduzida, eu recorreria a ela como terapia sempre que necessário. É um sentimento de pertencer, as ruas gentis desse bairro que antes de ter um nome oficial, chama-se lar, cada esquina dele. Mas já que isso não é possível, resgtar todos esses elementos ao mesmo tempo, na maior parte do tempo, entregue ao Acaso e às suas vontades onde eu não tenho voz nem tenho a autoridade de chamar a noite, o escuro, a chuva e o cheiro de jambo quando quero, serei mesmo deslocada como um peixe de asfalto, beirando a inexistência. Pontuo.

PS: Depois quero falar da parte russa de hollywood e dos livros que li esse ano, engolidos.

Comentários

Julia Neiva disse…
Que cômico, sonhei contigo outra noite, mesmo sem te conhecer, não lembro ao certo o sonho.

Precisava desabafar esse comentário . (:

Consigo sentir agora o cheiro de jambo, quero natureza.

Postagens mais visitadas deste blog

RIANNE (eu,ich, ja, I, yo), A COLONIZADORA.

Toda criança normal tem como lembrança normal algum parque ou algo extremamente colorido. A primeira lembrança que eu tenho é de um corredor de hotel, uma janela no fim. Depois... Perguntaram-me em New Jersey se o que eu falava era brasileiro ou espanhol, peguei a bicicleta, achei graça e ralei o joelho - não exatamente nessa ordem, mas nada que me impedisse de ir comprar comida chinesa em caixinha do outro lado da rua, eu sempre kept the creeps quanto à vendedora, ela era alta demais pra uma chinesa. Foi nessa época que criei um certo trauma em relação a indianos, o acento indiano é um negócio a se discutir - parei de comer dunkin donuts. Era uma máfia, em todo Dunkin Donut e posto de gasolina só se trabalhava indiano. Admito que só fazia ESL pra perder aula, mas o mundo inteiro precisava sentar em um teatro e ver a cara da Miss Rudek, quando eu, o Hupert (chinês), e a Katrina (mexicana) passamos a ser crianças sem línguas maternas: Havíamos aprendido duas ao mesmo tempo, com um empur

Purple crutches

“I wish you a great future”, then she gave me her hand - similar to a peace offering. She had a simple case of a stomach ulcer, I had patched her up around 3am in our ER, I had simply asked her if there had been any unusual stress in her life lately, to which she replied “I had kids too early, I wish I had done more with my life”. I could feel the courage-fuel she was burning while saying these words. I didn’t give her any speech. Just admiration, and a small part of me smirked at my childhood hoping my mother had realized that sooner. Well, she didn’t. I made my life’s mission to become exactly the opposite of her. As I typed in another ER report for the 27-year-old sitting next to me, I came to an uncomfortable realization: how not often patients wish us anything at all, like we’re not people, like we don’t have feelings. She had wished me as much as a great future - that’s a lot. I hope she knows that’s exactly what I wished her, too. Truth is, I felt like my emotional energy could

Malibu, 2025.

Malibu, 2025. Note to self. It had been already snowing. Awfully early to, but it was Moscow. Normally, after the first snow I’d meet Seda and she would complain about every single aspect of her life and connect it to the snow fall and the coming winter. Now, however, it was just me. I remember I had been looking for emotional sustainability. I, yet, couldn’t find the equivalent of “green, sustainable” for feelings. I was not sure either it was a color. Oh. Right. It was exac tly the things that happened after we graduated that defined us. I died my hair blond, took off to Vienna to meet old affairs and taste the Austrian cuisine (all of it, but I specialized on schnitzels and apfelstrudels). Martin moved with Masha and Domenico to the countryside, after which they became gypsies in the alps. Seda took off with Gennady to the United States in the pursuit of happiness according to the American constitution. I became a vegan after that, but remained blond. Seda ended up working tem