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Fueda-se.

Mas minha senhora, eu disse, eu tenho que embarcar, não é simplesmente uma vontade! Ela, alta demais para uma mulher e obesa, branca e com o cabelo super claro, eu diria albina, mas a fenótipo dela me importava ao mínimo naquele momento. Acho que eu não estava sendo clara, então me repeti. Que diabos, pensei, por que parei em São Paulo só para comprar um livro? Qual o meu problema? Eu poderia ter pedido essa merda pela internet. Por algum motivo eu estou em Madrid e tenho que embarcar de um PORTO? E não de um AEROPORTO? Ok, isso está offly wrong. NO SHIT.

...

Acordo, suada, meio perdida na definição de um pesadelo. Os meus, pessoalmente, sempre envolvem logísticas e conexões em aeroportos, olhares de impossibilidade vindo de funcionários, um longo suspiro e a desistência da vida. Se houver por aí, minha gente, uma Síndrome do Pânico a Logística Aeroportuária, ela é toda minha. Lembro que tentando chegar ao Brasil em Julho, quando saindo de Moscou, e aliás, nunca contei essa história propriamente, a Senhora Check-in diz que meu vôo Madrid-São Paulo foi cancelado, e totalmente cheia de resolução me dá o número do vôo que sairia 4 horas depois da minha chegada em Madrid, um novo vôo, totalmente existente. Olho para o Konrad e ele não consegue esconder a expressão de "Holy fuck". Subi o elevador para o Passport Control, faltava muito pouco tempo para o embarque, quarenta minutos para ser precisa, por todo o tempo que a Senhora Check-in se negou a acreditar na situação e rechecou, rechecou até me dar um veredicto que, convenhamos, fodia minha vida de qualquer ângulo e forma que ela falasse. Lembro que o elevador do Domodedov me irritava de alguma forma que só elevadores irritantes são capazes de fazê-lo, querendo ser panarômico demais, saído dos Jetsons demais. Quarenta minutos. Depois de ficar ali vinte minutos numa fila errada, para pessoas acompanhas com crianças, no Passport control, eu penso que esse realmente é o fim, não há, no mundo, situação em qual se põe mais esperança que um vôo, e igualmente, não há, no mundo, situação qual oferece mais improbabilidade que pegar um vôo. Douglas Adams definitivamente tirou a idéia da Coração de Ouro daí. Esperança demais, tudo pronto para dar errado demais. Pensei seriamente em fazer, ali mesmo, um pedido de adoção, mas todos aqueles orientais na fila com crianças não seriam meus parentes nem aqui nem na China (engraçadinha). Como todas as outras filas eram imensamente maiores do que essa, e faltavam o que, dez pessoas, eu não poderia me dar o luxo de simplesmente tentar não ser adotada, vai lá, com a cara e coragem, talvez seja o ato mais brasileiro disponível, e talvez isso acabe por te deixar chegar em casa. Calculei quanto tempo uma pessoa demorava na cabine, e tudo daria certo, digo, se essas árabes não estivessem demorando tanto agora, não, não acho que ninguém entendia ali o quanto eu precisava chegar em casa, o quanto nada daquilo tinha a graça necessária para simplesmente virar uma tragédia, aquilo era um bem construído episódio de terror. As pessoas normais demoravam quarenta segundos, as árabes estavam lá já há cinco. Sim, seria o fim, e lentamente fui abaixando minhas expectativas. Tudo bem, amo Moscou, mas eu tinha outros planos. Eu tinha vinte e cinco minutos. Faltavam mais cinco pessoas na minha frente, com uma dose de fé, talvez eu passasse. Quando finalmente cheguei lá na frente, faltavam quinze minutos. E todos aqueles planos de ir Duty Free? To hell with that. Ela olhou na minha cara, olhou o visto, procurou o carimbo, rechecou, me entregou o passaporte, me deixou ir. Raio-x. E lá vamos nós, o sumo da experiência russa: sempre tirar os sapatos, absolutamente sempre, principalmente quando você está atrasado para um vôo. Tirei os sapatos, joguei o computador no raio-x, botei aquelas sacolinhas estúpidas no pé e fui de sacolinhas com sucesso, sem nenhum apito. Devo aqui relatar que há pouco tempo a maldição do apito resolveu me largar, eu já passava no detector de braços abertos, pronta para ser revistada. Não que eu sentisse falta daquilo. Agora eu tinha que procurar a droga do portão ou simplesmentes os gritos em espanhol, e devo relembrar aqui, estamos em Copa do Mundo. Deveria notar também que todo esse corre corre pelas salas de embarque, devidamente vestida com as sacolinhas, os tênis na mão, o computador no ombro, e o coração na outra. Seis minutos. Lembro desse número com um tanto de pavor, seis, seis, seis. Achei o suposto portão de embarque, mas ninguém falava espanhol, então eu esperei por arrastados minutos que o Ashton Kutcher aparecesse ali e dissesse que eu estava no Punk'd. Vamos, Kutcher. Finalmente, caminhei pelo corredor que dava ao avião, já calçada, e durante todo o vôo tentava processar o trauma, ou seja, dormi. Faço isso muito bem, aliás. Quando cheguei em Madrid minha vida se iluminou novamente, eu tinha que pegar minhas bagagens e fazer o check-in de novo, tudo bem, se eu não estivesse sentada aqui do lado dessa esteira esperando minha bagagem desde as 6 horas, só que agora são 8, o meu suposto vôo para São Paulo sái as 10. Sim, vamos, percam minhas malas. Além disso, eu não tinha a mínima idéia de que horas eram, digo, no meu fuso-horário. Senti que isso pouco importava já que a experiência vinha sendo cheia de adrenalina e como sobrevivente da selva amazônica, eu estava cheia desse hormônio, sobrevivendo. Não se deixe enganar pelo concreto e pelo mármore, aeroportos são, sim, selvas. Oito e meia minhas malas chegaram, pus meus 43 quilos de vida no carrinho, que, admito, compensavam o peso muito bem. Aliás, essa é basicamente uma das únicas boas impressões que tive de Madrid dessa segunda e dramática vez que estive lá. Tentei achar a saída, e é lógico que tudo iria ser complicado. Desci em um elevador que dava para lugar nenhum, tendo que subir de volta, voltar ao ponto de partida e dar uma volta imensa, até achar a entrada do aeroporto, onde eu deveria fingir que falava espanhol e magicamente embarcar naquele belo vôo. Não, eu não falava espanhol, e nem falo. Com as oito pessoas inúteis que falei da companhia X (não sei porque preservo nomes, deveria foder-lhes a vida), falei em inglês, ou simplesmente esperando que eles falassem russo. Depois disso, pensei, eu aprenderei espanhol, essa coisa toda de já falar russo e não espanhol parecia uma válvula de escape. Por algum motivo todos os atendentes da companhia X estavam indo embora porque o seu turno estava acabando, um deles,um dos oito, até me iludiu, lendo cuidadosamente o bilhete, vendo o vôo cancelado, vendo o novo que eu deveria embarcar, pedindo para eu segui-lo, mas ele, como todos os outros, estava indo embora e apenas me encaminhando para outra anta. A oitava atendente, como se aquilo não fosse com ela e realmente não era, disse que o segundo mágico vôo também não existia e que aliás, estamos lotados para São Paulo e a próxima vaga é em uma semana. A copa não era na África da Sul? Por que os vôos não estão lotados para lá? Saiam, saiam, saiam. Eu sei que era Madrid, mas me senti presa numa ilha filha-da-puta. Ela, como diz bom dia com o tom de eu sei que você se fudeu, me encaminhou para a nona pessoa. Onde estão as urnas de pesquisa? Quero preencher essa merda agora. Não, em nenhhum momento gritei com nenhum atendente, apenas ri, aquele riso cheio de desespero. Fui com os meus 43 quilos de vida até o guichê de compra de bilhetes, e naquele ponto, que já eram dez e meia, não valia mesmo a pena procurar por um vôo que nem existia. Lá a Senhora Guichê me disse que o meu vôo havia sido cancelado em Fevereiro e que minha empresa deveria ter me avisado. E como gosto de lembrar, estamos em Julho, e que por esses motivos, por não ser culpa da companhia X, eles não iriam pagar o hotel até o meu vôo, que ainda seria remarcado para deus sabe lá quando. Saí com os meus quarenta e três quilos de vida, a procura, já, de um hotel, puta, no sentido de espírito assassino da palavra, de um hotel, porque eu tiha esquecido a diferença de horário Moscou-Madrid e se eu descobrisse que horas moscovitas eram, eu provavelmente acharia que era mesmo hora de apagar e mandar todo mundo a merda em um final bem trágico. Estou na porta do elevador, para descer até as ruas madrileñas, o último lugar que eu queria estar, quando a Senhora Guichê grita do outro lado do mundo, alguma coisa em espanhol, viro, com as minhas pupilas vermelhas de ódio, só para ouvir que, interessantemente, o vôo que só seria disponível dentro de uma semana, magicamente apareceu para o outro dia, ao meio-dia, e que aqui estava o meu voucher para o hotel. Acho que toda a parte de caminhar tragicamente embora havia funcionado, não que essa tivesse sido a inteção. Ótimo, então eu simplesmente preciso fingir que vou dormir calmamente essa noite em Madrid e amanhã vou mandar todo o espanhol que existe no mundo se fueder. Não sei qual é o problema das pessoas que não falam russo, eu repeti a noite inteira. Ou era dia? Alguém simplesmente tinha me jogado no meio dos fuso-horários. O ônibus para o hotel saia em meia hora, perguntei a todos outros antas onde pegar o tal do ônibus, como eu achava a saída desse lugar infernal, e rodei aquela merda com quarenta e três quilos de vida feito caramujo pra lá e pra cá, porque nessas horas acho que falta de senso de direção, o qual eu possuo em alto grau, deveria ser tratado como uma deficiência e eu deveria ter tratamento especial. Voltei a Senhora Guichê, perguntando do hotel, e despachei minhas malas, peguei o carregador do computador, minha carteira, meu passaporte, minha câmera, desci uma rampa que me lembrava a via láctea, talvez fosse o sono, eu nunca tinha visto a via láctea. Cheguei a rua, quarenta e três quilos mais magra, e deveria eu assinalar aqui que ninguém me cobrou excesso de peso, que eram vinte quilos? Talvez eles estivessem bem NÃO na posição de me cobrar qualquer coisa se não um "foda-se" em letras garrafais. Mostrei o papel do voucher para o motorista, enquanto ele babulciava em espanhol, no meio disso saí e simplesmente entrei no ônibus, se alguém tentasse falar comigo em espanhol ainda hoje, ou que dia fosse, seria devidamente chamado de "cuño" ou seja lá como se escreve isso. Chyrot vozmi [foda-se]. Do aeroporto até o hotel, fiquei vendo a cidade da janela, enquanto ouvia um grupo de estudantes falar em francês, um deles aparentemente era engraçado e todos riam quando ele acabava de falar, as luzes da cidade me agradavam, pelo menos era noite, pensei. Cheguei ao hotel com bagagem estritamente necessária a sobrevivência, mas a fila dos estudantes franceses para o check-in estava gigante então eu pensei que, por que eu não sento aqui nesse sofá, durmo, e quando eu acordar, toda essa papagaiada em francês vai ter subido? Quando acordei, acordei em francês, às 2 da manhã, todos eles haviam sentado ao meu redor. Tentando voltar a minha conduta de ser humano, perguntei a um deles sobre o vôo, o que eu já sabia a resposta, o que levou a uma conversa de onde eu era e como eu estava falhando em chegar em casa. De repente, em alto e bom português, alguém me diz para entrar na fila porque aparentemente vem outro ônibus. Por que você fala português?, perguntei, quando na verdade queria falar what the fuck? Ele era angolano e aparentemente todos aqueles franceses não era franceses, e sim de algum país da África e vinham para jogar futebol. Ok, whatever. Fiquei na fila, quando finalmente cheguei a recepção "no hablo español", entreguei meu passaporte, assinei algo que vendia minha alma e subi. Então depois de tanto tempo sem falar português, meu primeiro contato é com um angolano. No mínimo interessante. Acho que não lembrava que estava com fome, também. Achei umas batatinhas, e como eu queria foder com a vida da companhia X, acabei comendo todas as coisas que tinham deixado lá no frigobar e em uma mesinha, se estivesse tudo envenenado pelo menos morreria em glória, tentei ligar para pedir uma pizza, só que ninguém falava em inglês então mandei Madrid a merda e tentei ir dormir. Fui dormir às 4 da manhã, para acordar às 9. Pouco importa, por aquela hora eu já tinha perdido todas as funções e horários biológicos de uma pessoa normal. Saí para comprar uma roupa, souvenirs com pequenos touros madrileños para que eu lembrasse mais tarde que agradável foi aquela passagem por Madrid... Fiquei andando pela Gran Via até dar dez e vinte, cheguei ao hotel. Perguntei onde eu pegava táxi, só para ouvir que a companhia X também estava me pagando o táxi. Sentei no sofá com alguns poloneses e ficamos conversando até descobrirmos que íamos pegar o mesmo táxi para o aeroporto. Naquele momento não pude deixar de pensar que eu entendia perfeitamente polonês, mas o que aquele taxista babulciava entrava por um ouvido e saía por outro. Fui direto para o salão de embarque, já que tinha feito o check-in na noite anterior, olhando no meu passaporte a estúpida estampa de que eu havia estado em Madrid por um dia. Passei pelo raio-x depois de aprender que computador em espanhol é "ordenador". Passaport control, tudo ia dar tempo, talvez eu realmente pousasse em casa se o avião não caísse. Agora, portão U de embarque. Aquilo não me ocorreu no momento, mas um aeroporto que tem o portão U tem todas as letras anteriores, e o que não me ocorreu mais ainda é que dentro do aeroporto tinha um metrô. Segui todas as placas que me levavam até o portão U, subi infinitas escadas rolantes, onde ninguém tinha o costume moscovita de ficar encostado em um lado da escada, enquanto o outro ficava livre para os que estivesse com pressa correrem. Tudo bem, paz mundial, paz mundial... Elevadores. Escadas. Corredores. Escadas. Onze e vinte, e a idéia de que a merda do vôo saía às doze não deveria me aterrorizar. Achei o tal metrô, perguntando a uma senhora que ouvi falando russo com um sotaque totalmente espanhol. O metrô me dizia que chegaríamos em vinte e dois minutos, e eu com a minha cabeça a prêmio e o computador na outra mão. Cheguei a um lugar todo da letra U, onde eu deveria achar o U27. De repente, ouvi o som das vuvuzelas e vi gente vestida de verde e amarelo. Se aquele não fosse o meu vôo, então eu era daltônica. Chequei. U27. Faltavam seis minutos. As pessoas falavam português e não eram angolanos, e sim brasileiros, de Floripa. Uau, eu tinha esquecido o que era essa coisa de regionalismo. Sentei naquele avião e dormi, dormi, dormi. Quando cheguei em São Paulo, o meu vôo para o Ceará havia sido cancelado também. Haviam aberto minha mala e levado coisas. OK, eu realmente queria sair do inferno agora. Companhia aérea Y me jogou na sala VIP com um cartão de wi-fi e umas... coxinhas? Deus, coxinhas. Vou voltar para a Rússia nadando ou a pé, pensei, quando finalmente cheguei em Fortaleza. Não acredito que as pessoas chamam avião de progresso, pensei, e hoje a noite estou muito a vontade, muito burguesamente instalada no mundo, e dormi, em uma cama, lá fora fazia trinta graus e essa parte ainda me era estranha, mas dormi em cima daquela citação de Sartre, ainda perdida nos fuso-horários. Talvez eu ainda esteja perdida.


(Gostaria muito de contar sobre os eslovacos, mas tenho outras coisas para escrever, e os eslovacos se contarão quando quiserem)

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