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Desbravadora do Sul


[A rota Kirov-Nizhny-Saratov-Volgograd-Astrakhan e todas as coisas entre ela]


[Monumento a Pyotr Perviy, o Senhor criador de São Petersburgo, à nossa geração e todas as coisas ligadas a ela]

Eu poderia contar sobre a longa aventura em direção ao Sul da Rússia, sobre o bronze e o Sol insuportável, sobre sorvetes e algodões doces e o rio Volga querendo ser praia, mas eu me restrinjo a falar das grandes pessoas que conheci. Ainda saindo de casa para ir para a vokzal [estação] conheci um Senhor Bêbado e sua filha que estavam atrasados e deram uma carona num taxi para a Brasileira atrasada, o Senhor B ia falando sobre futebol e eu ia tentando convencê-lo de que o Brasil não vai ganhar a copa, a filha ia em silêncio, como se odiasse o pai bêbado mais que aquele clima de primavera de dez graus, o resto da Rússia sorria em trinta graus, mas Kirov é sempre um aborto do clima. Chegando em Nizhny minhas italianas, e depois mais italianas e francês e Chao, a chinesa, matamos tempo até o próximo trem para Saratov. Um casal de trapezistas parecia um desses jogados da União Soviética que poderiam ter PhD em qualquer coisa, tiinham um filho que acordava, comia, e dormia e repetia o ciclo, dividimos a cabine do trem por três dias (a cara crua de quem ficou num trem três dias para atingir o Sul). Chegando em Volgograd conheci Kiril, ou a sua estátua, o Senhor Criador do Alfabeto Cirílico e também Sergei Kirov, o Senhor Revolucionário. A konduktor [uma espécie de aeromoça] do trem disse estar feliz por termos achado o camino de volta para o vagão e seguimos no mesmo trem com os trapezistas para Volgograd, ex-Stalingrado. Minha italiana, minha guatemalana e a difícil existência de um alemão pós-Dia da Vitória na Cidade da Guerra. Chegou o resto da América Latina, Alemanha, representante do Brasil número dois, passamos o dia em Volgograd, dormimos no planetário, vimos monumentos, conhecemos militares da guarda real que faziam a troca do guardas no Super Monumento aos Mortos da 2a guerra, uma espécie de Cristo Redentor, uma fortaleza em pedra. Uma parede dizia "Os alemães queriam ver o Volga, o Exército Vermelho lhes deu essa oportunidade", ora com uma pontada de ironia, ora com uma pontada de crueldade. Um rapaz no quisoque de cartões postais me perguntou se eu não queria tomar um chá com chocolate, não entendi e peguei meus postais com o Cristo Redentor Russo. Começou a chover, e a imagem do fogo eterno do monumento e toda aquela melancolia e aqueles guardas e aquela seriedade, junto com as nuvens carregadas parecia algo bem próximo do fim do mundo. Não era. Passamos no supermercado para comprar coisas para o trem e na próxima manhã de alguma forma chegamos vivos e o mais importante, com vontade de viver depois de tanto trem e clausura. Em Astrakhan conheci a Babushka Lucia, uma senhora que ama alimentar quem tem boca. Encontrei com o meu alemão, a suiça e a chilena, grande Zhenya e MC, e alguns russos que de fato tinham algo na cabeça. Conhecemos um deputado que não tinha opinião própria sobre os conflitos da Chechênia e nenhuma resposta para a pergunta da Colombiana sobre a venda de armas da Rússia para a Venezuela. Conheci um russo X que me emprestou sua bicicleta e eu fui pedalar com o curso do Volga. Além do Volga, em Astrakhan encontra-se o Volva, uma pessoa inteligente que é capaz de resolver os conflitos do mundo e pessoais em uma mesa redonda. Eu diria reencontrei, mas o tempo foi tanto sem o mesmo, que eu diria que conheci o Sol e a capacidade de bronzeamento em um barco Volga a dentro. Resgatando a melanina em mim. No trem de volta, em "Schade, sehen uns in Deutschland", despedimo-nos e quem viajou no trem dessa vez não foram trapezistas mas comediantes de um programa de tevê famoso na Rússia, tirando o fato de que eles eram bem estúpidos e sabiam mais de futebol brasileiro que eu, quando um dos cinco falou de Roberto Carlos eu achava que ele conhecia o cantor mas aquilo não fazia sentido porque eu não me encontrava na 87a dimensão. Tinha um muito bêbado e eu achei que deveria ir dormir. Na outra manhã a militsya [polícia] me acorda perguntando porque estou nessas condições, e eu não entendo, abro o olho e ouço algo como "procura de narcóticos", e como se não bastasse, a militsya jura que a coisa que eu tenho que usar entre os dedão e o outro dedo por causa da joanete de silicone é droga. Eles revistam todos menos as babushkas e os visivelmente russos, chama-se racismo. Me fizeram descer da cama e me encher o saco. Depois de alguma violência gratuíta com as minorias étnicas da Rússia e sem achar nada eles se foram. O trem e o colosso continuaram a rolar. Chegando de volta em Nizhny fomos para o Kremlin da cidade, tomamos café no Mcdonalds, andamos pelo centro, topando com essas estátusa de gente comum nessa Avenida igual a São João em São Paulo. Pegamos o metrô para a vokzal e parte de nós foi para suas cidades, a alemã e a japonesa resolveram passear e eu fui com a Iva almoçar. Sentamos lá por três horas e poderiam ter sido mais três. Depois fomos para o Respublika, tomamos um café, descobrimos que o meu bilhete estava errado e compramos outro. Só saí de Nizhny às 11 da noite, pouco depois de sair do Mcdonalds e ver uma cena ora contraditória, ora cativante. Um jovem militar sentava com sua esposa e seu filho, ao qual dava batatinhas americanas. Peguei o trem, dormi. Acordei em Kirov. Eu não queria estar aqui e ainda não quero. Segunda-feira tenho exames e daqui a uns dias vou para Moscou e Piter. Mas conheci de volta a minha cama e a saudade de toda essa gente que eu amo apesar da existência do Sul e do Norte e a da distância. Aprendendo chinês porque o russo não bastou e porque eu tenho essa insatisfação com o que é fácil. Eu chego aqui amando o mundo e meus amigos queridos de todos os pontos dele, e minha mãe começa a falar que o mundo vai acabar mesmo em 2012 e que o Brasil vai afundar e coisa e tal. E eu digo, pois que se acabe, morrerei com um sorriso no rosto.



Pontuo.

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