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Uma linha reta é um zigue-zague.

Eles dizem que de um ponto podem partir infinitas retas. Em teoria, é pura geometria. Na Rússia a teoria é posta em prática de um jeito que bota a paciência de dezenas de pessoas numa panela de pressão até que a panela exploda, a dona de casa contraia uma queimadura facial e paramédicos na ambulância passem a dizer que os médicos que vão tratá-la são os melhores quando eles realmente não sabem se há ali dano em algum nervo facial. Em outras palavras: caos. Então eu estou sentada em um corredor esperando para tirar uma raio-x de check-up. Há como que três pessoas na minha frente e eu simplesmente sento lá e penso, bem, a partir do ponto que todas elas forem, eu entro, é matemática simples. Chegam mais pessoas. Eu sento, espero, me sinto ansiosa e inútil, com a única expectativa que uma pequena porção de radiação passe, por favor, pelos meu tórax neste confuso dia de primavera (o episódio se passou em meados de Abril). O resto do meu dia não estava planejado, eu acordara apenas pela pequ...

Três detetives e nenhuma solução para a vida

A Tv da cozinha está ligada e eu não sei exatamente com que propósito. Há poucas coisas piores que tv brasileira, e é a russa. Absolutamente nada é legendado, tudo é dublado com um monotom que segue por suas duas horas de filme. Às vezes é só um homem dublando todos mudando a entonação da voz (sim, isso existe). Então eu não sei por que exatamente eu preciso dessa Tv ligada, mas talvez seja pela graça da companhia. São 9 da noite de um feriado que eu não entendo completamente o significado, hoje não tive aula e acordei cedo para estudar. Próxima semana tenho deus sabe lá quantas provas, tudo que eu sei é que minha agenda está cheia de anotações como uma pessoa louca. Nunca fui uma pessoa de reclamar infinitamente e me enterrar nessa conformidade de cara feia, o problema é que eu sei que sou perfeitamente capaz de encarar isso tudo, mas com esse inverno que vem batendo a minha porta o level de dificuldade sobe, a vontade de viver cái. Meus dias não têm sido tão ruins. Na verdade quando ...

Finally awake.

Is this it?, I kept asking myself, burning my tongue with coffee. Is this everything I believe in? That was me, as I sat in my kitchen drinking coffee, listening to some Coner Oberst project while the washing machine kept the noise in the background constant. I had just jumped out of bed screaming the word "PANTS" - when you put the real desperation into every syllabe you get the feeling of a normal Monday in Moscow. At least my Mondays. Being a med student was never meant to be easy, but somedays I just wanted to quit. Like I couldn't take that one more. When it was summer I would bike to university, but now it's cold, I'm grumpy and bikes just seem out of place in horrible days in a horrible season. Anyways, I was sticking to that, or at least I kept repeating myself the reasons I had moved here. So that was everything I believed in: coffee, Conor Oberst and Vanish (well, my white coat was getting somehow whiter and whiter). Everything in that one cenario. I did...

A escravidão reformulada

Ainda não havia Sol lá fora. 5 da manhã. Repetia o pensamento: sono é luxo, café, café, café... Peguei os livros e levei para a cozinha. Bom dia, escápula, bom dia, esterno. Em três horas deveria sair para a aula e essa pilha de livros era o mais próximo que eu tinha de um café da manhã. Ninguém nunca falou que ser médico é uma tarefa fácil, aliás, é apenas uma redefinição da escravidão no século VXI, é uma redefinição da síndrome de Estocolmo só que com sequestradores que ainda não sabem que vão nos sequestrar e que nós também não conhecemos até cruzarem um corredor em uma maca. Não sei se eles foram grandes homens, mas sei que fizeram grandes coisas , pensei nisso, enquanto olhava pela janela entre a décima primeira e décima segunda vértebra. No mês de Agosto quando tive férias acabei de ver "The Tudors" e "José e Pilar" com um atraso da vida inteira, deu tempo de eu ir e voltar da Suécia e trabalhar na AFS para receber os novos oitenta intercambistas que começa...

Ou quase exatamente

Ela não podia ir lá fora, algum ser desfigurado na noite passada havia personificado os medos de uma criança. Se era vermelho, não lembrava, a verdade é que o era e isso já corroia, independente da geometria e aquarela que viesse a adotar. Pôs-se a chorar, não sabia da onde vinha aquela vontade incontrolável de simplesmente berrar e resgatar gotinhas do mar. A verdade é que respirar ficava mais fácil. E ela repetia a sensação de medo dessa memória de nove anos atrás. Há pouco tempo fizera dezoito. Tudo parecia tão longe e tudo era uma eternidade, com barreiras, mas ela insistia em chamar aquela linhazinha do tempo que era a sua vida de eternidade com limites - fosse lá o que isso queria dizer. Lembrou-se daquele dia longíquo num bairro de infância que pela mania humana de romantizar o passado, a recordava de uma infância com muita neve, rinite na primavera, a chinesa magra demais que vendia comida em caixinha, joelhos ralados e casuais furtos de batata frita da fábrica não muito longe,...

As minhas gramas são mais verdes

Fazia dois meses que eu estava na Rússia e tudo e todos ainda eram ETs se aproximando por um contato de quarto grau. Eu poderia divagar sobre a sensação de ser uma expatriada, mas seria tão inútil como descrever o gosto de chocolate, com tantos sentidos envolvidos. E lá eu estava, na frente de toda a escola recitando um poema no Dia dos Professores, que é realmente importante na Rússia. Eles podem até não ganhar bem, mas o respeito que recebem dos alunos é infinitamente maior que no Brasil. Dirigir-se a eles apenas levantando a mão, e pelo nome e patronímio (o segundo nome de todo russo: nome do pai + sufixo OVA ou VICH se, respectivamente, você for mulher ou homem). Os alunos haviam preparado um verdadeiro espetáculo, a platéia era pequena: apenas a equipe de professores, e o backstage se apertava com todos os alunos da escola. No dia anterior eu havia passado cinco horas andando em círculos aprendendo um poema que recito até sob remédio de dormir, ainda hoje em dia. Skol'ko vesen...

A hora

É muito difícil se empacotar e se mandar assim, no ritmo da maré que a chuva formou. Mas a minha crescente antipatia e falta de movimento me certificava o tempo inteiro, enquanto eu fechava as caixas, que a hora já tinha chegado e só estava me esperando. Eu estava sentada no chão, cercada por sete caixas cheias de livros, perdida em pensamentos, fazendo uma piada repetida de como aquilo era uma imagem para o tumblr. Tenho repetido muito essa piada. E o que realmente tinha me levado até aqui... As pessoas me perguntam o tempo inteiro e eu, quando sem vontade, digo que quis. A verdade é que primeiro de tudo, quis, sim. Mas antes do querer eu queria também outras coisas. Porque eu iria fazer jornalismo e me decepcionei antes de começar. E todos aqueles livros me lembravam que, para escrever, para ler, eu não precisava ser uma jornalista. Eu precisava simplesmente lembrar quem eu era, e tentar tirar uma foto parada disso no meio da inconstância. Aos quatorze anos, indo para os quinze, eu e...