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As minhas gramas são mais verdes



Fazia dois meses que eu estava na Rússia e tudo e todos ainda eram ETs se aproximando por um contato de quarto grau. Eu poderia divagar sobre a sensação de ser uma expatriada, mas seria tão inútil como descrever o gosto de chocolate, com tantos sentidos envolvidos. E lá eu estava, na frente de toda a escola recitando um poema no Dia dos Professores, que é realmente importante na Rússia. Eles podem até não ganhar bem, mas o respeito que recebem dos alunos é infinitamente maior que no Brasil. Dirigir-se a eles apenas levantando a mão, e pelo nome e patronímio (o segundo nome de todo russo: nome do pai + sufixo OVA ou VICH se, respectivamente, você for mulher ou homem). Os alunos haviam preparado um verdadeiro espetáculo, a platéia era pequena: apenas a equipe de professores, e o backstage se apertava com todos os alunos da escola. No dia anterior eu havia passado cinco horas andando em círculos aprendendo um poema que recito até sob remédio de dormir, ainda hoje em dia. Skol'ko vesen uzhe proleteli, etikh let nam ne ostonavit'... A verdade é que na minha twisted mind, tanto no Brasil quanto na Rússia, o mínimo de respeito que eu poderia ter de qualquer professor sempre significou o mundo pra mim. Recitei o poema ao ritmo que os professores esbugalhavam os olhos: a brasileira realmente o fez. Em todos os cinco ou seis, já não sei mais, colégios em que estudei, em qualquer dos três países que nomadiei, fui a geek com sono, tédio e que passava os recreios ora com dois amigos fiéis e únicos, na biblioteca tomando chá com a bibliotecária ou na sala dos professores.

Depois ninguém sabe da onde vem a minha falta de compreensão quando alguém vem dar em cima de mim esses dias, tudo o que eu vejo é uma daquelas pessoas que eu tinha asco por no recreio. Nunca sofri bullying, mas nunca consegui ser compatível com 98% do colégio nem por trinta minutos todo dia. Eu sempre tive sóbum amigo em qualquer colégio, e ninguém queria passar o recreio discutindo física quântica ou falando sobre Brontë.

Por miúdos, li um artigo que fala sobre a retirada da matéria literatura do vestibular russo como matéria obrigatória. Lá funciona assim: do curso que se escolhe adiciona-se duas ou três matérias ás matérias obrigatórias a qualquer curso, que na minha epoca foram russo, literatura e matemática. No episódio do Dia dos Professores sei que eles só caíram para trás porque só meia dúzia dos alunos russos deles mostraram o interesse em literatura russa que a recém-chegada brasileira mostrava. Na minha sala de aula de literatura russa, meus colegas de sala preferiam ajeitar suas maquiagens ou falar do ultimo jogo de hockey que dar valor á literatura que o mundo inteiro caia de joelhos. Imagino, agora, a felicidade deles que literatura não é mais obrigatória. Infelizmente esse padrão não se repete só na Rússia, sinto que temos mania de sermos xenófobos em relação ao nosso patrimônio cultural. No Brasil foi o fim do mundo quando começamos a ler José de Alencar, ninguém "agüentava" a obra do homem que cimentou a cultura do Ceará dando ao índio o seu merecido posto de protagonista. Ninguém nunca havia se dado o trabalho de ir ao Memorial da Cultura Cearense no Dragão do Mar além da vez eles haviam ido em uma excursão com a escola na terceira série.

Acho importante saber se interessar pela cultura alheia, mas acima disso, saber defender a sua própria como tese. Uma vez a professora se literatura russa nos pediu para pesquisarmos um poema sobre amor, é lógico que me virei para Camões. Primeiro procurei uma tradução, que por sinal era excelente. No dia da apresentação, ela só chamaria alguns alunos. Fui chamada, comecei falando: "Esse é o Pushkin da língua portuguesa", e jogue a primeira pedra quem não der ao Luís o título de patrono da nossa língua. O que quero dizer é que Pushkin, Camões, Shakespeare, Goethe - eles sentam lado a lado, mas são únicos a cada língua. E é mais que comum não ser dado valor ao próprio patrono. Lembro que eles amaram o poema que eu recitei, em português e em russo, mas quando uma colega foi recitar Pushkin, todos suspiraram de cansaço - logo o homem que resolveu dar importância a língua russa quando todo mundo só queria falar francês. Nenhum desses escritores que citei são melhores um que o outro, são imcomparáveis.

Não é gostar, é simplesmente admitir a importância. Literatura é a identidade de um povo, sociedade, o que seja. E quem não sabe o que é, náo se dê nem ao trabalho de -ser-.

Não condeno ninguém, acho que tive a chance de morar em várias diferentes gramas e soube dar valor a cada uma, ao ponto de ainda andar com com uma câmera em uma cidade na qual morei sete anos. Quanto àqueles que não observaram sua grama do lado de fora, a solução é esperar que um dia saibamos admirar mais o que é nosso que o dos outros. A grama tem que ser mais verde do nosso lado, é uma questão de ponto de vista.

Pontuo.

Comentários

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tank you!
Marcos Siqueira disse…
Muito bom o texto, e muito interessante a reflexão. Quando comecei a te seguir no twitter (não sei através de quem) sua bio mostrava Fortaleza ainda.
Marcos Siqueira disse…
De qualquer forma, estou seguindo o blog. (:

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