Pular para o conteúdo principal

A arte de sobreviver na medicina

De ida ao Museu Pushkin de Arte, agarro meu moleskine de 7 anos de idade, suiço de nacionalidade, de uma viagem a Lucerna. Aí estão reportadas todas as minhas versões em distintas partes do mundo, ou apenas minhas versões imóveis que seja, sedentária, em alguma parte do mundo. A última entrada é sobre a ansiedade de entrar na faculdade em 2011, do que não se sabe, do que se vai aprender, tudo cheio de simbologia, Saramago, perguntas. Um se põe a ler e não se reconhece: e isso passa todas as vezes que abro esse moleskine - uma pessoa o fecha, e meses depois outra pessoa o abre, sendo que são as mesmas mãos! Será mesmo que esse fenômeno vai seguir sempre? Será mesmo que as visões e as perspectivas mudam tanto, será que é possível que um passe a vida inteira crescendo e não se exploda porque já não há espaço no mundo (ou nas limitações da carne)? Se for, quantas vidas vivemos em uma 

Hoje a minha visão sobre a medicina é totalmente outra, e é a seguinte, sem medo a digo: todo médico precisa escapar-la de tempos em tempos, todo médico necessita de arte. A arte que seja! Música, pintura, literatura, teatro, cinema, escolham. A medicina é uma tal senhora que lhe sufoca (e não, não importa o quanto você seja apaixonado por ela).

Fiquei de férias depois de cinco longos meses enterrada em livros, sem tempo para abrir um livro sobre qualquer outra coisa que não tratasse de músculos, nervos, arterias, veias, tendões, cérebro, ciclos bioquímicos, fisiologia. 

E se não sobra tempo para a arte?

Se não sobra tempo para a arte -  que classe de médicos nos tornaremos? Por isso venho aqui declarar que basta. Basta, medicina. Eu vou tirar um pedaço de você para ter esse pequeno pedaço que seja de arte na vida.

É isso, caros leitores: a medicina cura, mas te transforma de tal modo que uma imagem abstrata não é apenas uma imagem abstrata, mas se parece a alguma célula ou orgão, ou uma artéria; quando antes aí haviam flores, ou um avião, ou coisas comuns.

Um entra em uma vida com uma pilha de livros e um cadáver - isso nos muda, sem dúvidas. Mas o que nos esfria não são os cadáveres ou todos os tecidos mortos - é exatamente a falta de arte.

Pontuo.

Comentários

Matheus C. disse…
Você,moça,deveria escrever mais. Ótimos,textos,acompanho o blog há um bom tempo(uma amiga me mostrou) e sempre gosto do que leio,é tudo bem...autêntico. Boa sorte com a faculdade de medicina,a vida,o universo e tudo o mais.

Postagens mais visitadas deste blog

RIANNE (eu,ich, ja, I, yo), A COLONIZADORA.

Toda criança normal tem como lembrança normal algum parque ou algo extremamente colorido. A primeira lembrança que eu tenho é de um corredor de hotel, uma janela no fim. Depois... Perguntaram-me em New Jersey se o que eu falava era brasileiro ou espanhol, peguei a bicicleta, achei graça e ralei o joelho - não exatamente nessa ordem, mas nada que me impedisse de ir comprar comida chinesa em caixinha do outro lado da rua, eu sempre kept the creeps quanto à vendedora, ela era alta demais pra uma chinesa. Foi nessa época que criei um certo trauma em relação a indianos, o acento indiano é um negócio a se discutir - parei de comer dunkin donuts. Era uma máfia, em todo Dunkin Donut e posto de gasolina só se trabalhava indiano. Admito que só fazia ESL pra perder aula, mas o mundo inteiro precisava sentar em um teatro e ver a cara da Miss Rudek, quando eu, o Hupert (chinês), e a Katrina (mexicana) passamos a ser crianças sem línguas maternas: Havíamos aprendido duas ao mesmo tempo, com um empur

Purple crutches

“I wish you a great future”, then she gave me her hand - similar to a peace offering. She had a simple case of a stomach ulcer, I had patched her up around 3am in our ER, I had simply asked her if there had been any unusual stress in her life lately, to which she replied “I had kids too early, I wish I had done more with my life”. I could feel the courage-fuel she was burning while saying these words. I didn’t give her any speech. Just admiration, and a small part of me smirked at my childhood hoping my mother had realized that sooner. Well, she didn’t. I made my life’s mission to become exactly the opposite of her. As I typed in another ER report for the 27-year-old sitting next to me, I came to an uncomfortable realization: how not often patients wish us anything at all, like we’re not people, like we don’t have feelings. She had wished me as much as a great future - that’s a lot. I hope she knows that’s exactly what I wished her, too. Truth is, I felt like my emotional energy could

Malibu, 2025.

Malibu, 2025. Note to self. It had been already snowing. Awfully early to, but it was Moscow. Normally, after the first snow I’d meet Seda and she would complain about every single aspect of her life and connect it to the snow fall and the coming winter. Now, however, it was just me. I remember I had been looking for emotional sustainability. I, yet, couldn’t find the equivalent of “green, sustainable” for feelings. I was not sure either it was a color. Oh. Right. It was exac tly the things that happened after we graduated that defined us. I died my hair blond, took off to Vienna to meet old affairs and taste the Austrian cuisine (all of it, but I specialized on schnitzels and apfelstrudels). Martin moved with Masha and Domenico to the countryside, after which they became gypsies in the alps. Seda took off with Gennady to the United States in the pursuit of happiness according to the American constitution. I became a vegan after that, but remained blond. Seda ended up working tem