Pular para o conteúdo principal

A saudade fresca



Quando eu era menor eu sentia esse cheiro de vez em quando, era um cheiro sem cheiro, algo limpo, puro. Os intervalos entre um cheiro e outro eram cada vez menores, eu estava provavelmente embreagada dessa coisa que me animava. E o tempo que é o tempo, fez o tempo passar e o cheiro foi se tornando cada vez menor, até que um dia em Burlington eu voltei a senti-lo, era quase como me deixar acessar tudo o que eu deixara pra trás já com nove anos. Eu tenho sido uma mestre em despedidas, se alguém me perguntar, desde os nove anos, por aí, e eu lembro de ter chorado no telefone falando com a minha avó, querendo ir pro Brasil, foi estranho, eu sempre fui uma criança muito fechada e talvez por isso a única amiga que eu trouxe da infância foi a Carol, depois a Samantha, e eu nunca tinha chorado por ninguém, nem quando eu ralava o joelho do jeito como as crianças fazem, e o metiolate ainda ardia. Então eu estou aqui em São Paulo, amando muito essa cidade, que me lembra qualquer lugar que eu imaginei que seria bom pra morar, quando eu achava que só os lugares bastavam, mas hoje eu sei bem que é complicado se as pessoas certas não estiverem por perto... De qualquer forma, eu estou aqui em São Paulo e eu sinto aquele cheiro que eu não sentia há tempo tempo, e não é só isso, vinham acontecendo coisas estranhas por esses dias, e eu que sou ávida por simbolismos não deixei passarem despercebidas: ao arrumar meu quarto eu achei coisas que eu jurava que tinham sido perdidas nesses buracos negros que aparecem quando a gente se muda, eu achei um dente de leite, uma concha de mar com uma bandeira do Brasil pintada que eu fiz com nove anos. Não sei, mas pra mim isso significa muito, ou simplesmente - alguma coisa. Eu... bem, eu não sei porque, mas talvez seja o cheiro fresco da saudade, é um cheiro tão límpido que eu não sei descrever, talvez seja o abstrato tomando forma...

Muita coisa se passando pela minha cabeça agora. Mesmo...

Ontem fui ao consulado russo, tudo certo. Conheci um italiano e duas espanholas, e eu sempre fico muito surpresa como eles são mais simpáticos que qualquer brasileiro, aliás eu sempre defendi muito que estrangeiro, ao contrário do que diz a crença popular, são muito mais amigáveis do que a gente acha. O que eu quero dizer é que pelo menos eu espero encontrar pessoas como eles, como todo mundo de Fortaleza pra onde eu tou indo, eu espero que pessoas especiais seja um padrão em todo lugar do mundo... Senão seria um lugar realmente chato.

Fuck, eu quase morri quando saí do avião em Campinas, a merda da turbina tratou de fazer um vento @#*(&(*$&)&*@ glacial de tremer os queixos, sério, fuck fuck fuck. Acho que os hematomas tão saindo também, e vamos fingir que eu nunca fiz a cirurgia dos sisos e ir pra frente.

Vendo as fotos do meu último dia em Fortaleza realmente me faz chorar, mas de felicidade, não acredito que eu conheça tanta gente essencial. Eu lembro que o Levi perguntou do que eu ia sentir mais falta, e eu disse "vocês", e a lista acabou por aí, e eu pensei, "querida, por que eu não posso encolher as crianças e levar para o outro lado do mundo?". Mas era só eu e o meu egoísmo.

Enquanto eu ia caminhando pelo corredor para entrar no avião, algo me veio a mente e eu escrevi isso assim que eu sentei na minha poltrona, a Senhora 6A.

At some point
my walking became soundless
echo was a perfect sound
And I finally landed my feet in eternity
or just some place I was meant to
Maybe I lost it
but the road is big
and I feel like winning
every trail, every curve,
every smile
At some point I had to
let myself
get loose.

Eu tenho tanto pra escrever que eu não consigo organizar as idéias direito. Não falei que ontem conheci mais outros dois canadenses e uma mulehr que esqueci de perguntar da onde era, eles podem não saber mas saber que o mundo é cheio de gente tão interessante me faz pensar que isso vale a pena, apesar de eu já sentir muita falta de todo mundo, de ficar lembrando dos nossos tédios, risadas, porres, baladas ruins, baladas boas, inside jokes, eu passei da idade de só rir dessas coisas, eu tenho chorado de felicidade.

Quando eu conheci o italiano, uma vez que você não tem mais nacionalidade definida, ao invés de se dizer "oi, tudo bem", acaba-se dizendo "hey, where are you from?", e ele me perguntou isso e eu disse "Well, it's complicated", e nacionalidade tem se tornado uma coisa mais e mais relativa, especialmente porque é o terceiro país que eu vou tomar como casa, além de outros que eu vejo muito de mim, acho de depois de um tempo que se convive consigo mesmo, acaba-se por se tornar um retalho de todas as coisas boas que a gente vê por aí, dos lugares, das pessoas que a gente conhece, e são histórias loucas, especialmente a dos backpackers daqui, eles têm rodado o mundo sem pausa, sem medo, receio, e têm só uma mochila que cabe tudo que eles precisam pra cruzar a próxima fronteira. Vocês ficariam surpresos.

Outra, morar só é uma coisa complicada, também, eu percebi isso de ontem pra hoje. É muito conveniente chegar em casa meio-dia e ter almoço feito, mas quando você está vivendo das próprias botas então cozinhar se torna algo penoso, e eu finalmente entendo porque as comidas prontas têm perpetuado a nossa espécie. É preciso se organizar, estabelecer horários e rotinas, senão acaba-se vivendo de turista por muito tempo e acho que uma hora, o mais cedo possível, é preciso fixar os pés em algum lugar. Comprei um monte de comida pronta aqui, só de olhar pra panela me dá uma preguiça, por isso eu acho que seria uma boa casar com um chef. Enfim.

Vou sair agora para comprar um microfone e encher a cabeça de alguma coisa, não importa, pra qualquer lugar que eu olhe em São Paulo há sempre informação o suficiente pra me afastar um pouco da grande idéia de que próxima semana eu estou indo pra Moscou.

E descobri que tenho que ler mais Tolstoi, creio que isso não vá ser um problema, uma vez que se está na Rússia.

"Que a felicidade seja inevitável", eu tou levando isso pro outro lado do mundo... Com ou sem excesso de bagagem.

Tudo bem, a cidade é grande, há de me distrair, ponto.

Comentários

Bárbara disse…
Que lindo toda essa gente que tu conheceu, ta conhecendo e ainda vai conhecer. :) E eu tbm sempre achei estrangeiros muito simpáticos, mesmo quando dão em cima(q), sei la. HAHAHA enfim, tô feliz demais da conta por tu ta bem assim, e otimista e cheia de luz como eu tô percebendo pelos posts. ISso só prova o quanto tu é madura e a pessoa certa pra oq tá por vir. fica bem kiddo :***********

Postagens mais visitadas deste blog

RIANNE (eu,ich, ja, I, yo), A COLONIZADORA.

Toda criança normal tem como lembrança normal algum parque ou algo extremamente colorido. A primeira lembrança que eu tenho é de um corredor de hotel, uma janela no fim. Depois... Perguntaram-me em New Jersey se o que eu falava era brasileiro ou espanhol, peguei a bicicleta, achei graça e ralei o joelho - não exatamente nessa ordem, mas nada que me impedisse de ir comprar comida chinesa em caixinha do outro lado da rua, eu sempre kept the creeps quanto à vendedora, ela era alta demais pra uma chinesa. Foi nessa época que criei um certo trauma em relação a indianos, o acento indiano é um negócio a se discutir - parei de comer dunkin donuts. Era uma máfia, em todo Dunkin Donut e posto de gasolina só se trabalhava indiano. Admito que só fazia ESL pra perder aula, mas o mundo inteiro precisava sentar em um teatro e ver a cara da Miss Rudek, quando eu, o Hupert (chinês), e a Katrina (mexicana) passamos a ser crianças sem línguas maternas: Havíamos aprendido duas ao mesmo tempo, com um empur

Purple crutches

“I wish you a great future”, then she gave me her hand - similar to a peace offering. She had a simple case of a stomach ulcer, I had patched her up around 3am in our ER, I had simply asked her if there had been any unusual stress in her life lately, to which she replied “I had kids too early, I wish I had done more with my life”. I could feel the courage-fuel she was burning while saying these words. I didn’t give her any speech. Just admiration, and a small part of me smirked at my childhood hoping my mother had realized that sooner. Well, she didn’t. I made my life’s mission to become exactly the opposite of her. As I typed in another ER report for the 27-year-old sitting next to me, I came to an uncomfortable realization: how not often patients wish us anything at all, like we’re not people, like we don’t have feelings. She had wished me as much as a great future - that’s a lot. I hope she knows that’s exactly what I wished her, too. Truth is, I felt like my emotional energy could

Malibu, 2025.

Malibu, 2025. Note to self. It had been already snowing. Awfully early to, but it was Moscow. Normally, after the first snow I’d meet Seda and she would complain about every single aspect of her life and connect it to the snow fall and the coming winter. Now, however, it was just me. I remember I had been looking for emotional sustainability. I, yet, couldn’t find the equivalent of “green, sustainable” for feelings. I was not sure either it was a color. Oh. Right. It was exac tly the things that happened after we graduated that defined us. I died my hair blond, took off to Vienna to meet old affairs and taste the Austrian cuisine (all of it, but I specialized on schnitzels and apfelstrudels). Martin moved with Masha and Domenico to the countryside, after which they became gypsies in the alps. Seda took off with Gennady to the United States in the pursuit of happiness according to the American constitution. I became a vegan after that, but remained blond. Seda ended up working tem