[Esse post falta linearidade de pensamento]
Um pequeno pinóquio da Itália. Uma coisa da estação de trem Kazanskaya de Moscou. Um touro de Madrid. Um medalhão de Kirov. Um urso com uma blusa escrito 'London'. Uma minúscula boneca tirolesa. Um mini, mini, mini chimarrão. O brasão da polícia de New Jersey, de um career day. Uma miniatura que esbanjava a riqueza de Monaco e Monte-carlo. Uma mini gôndola me lembrando de Veneza. Um cachorro Bernardo com um barril de bebida e uma camisa com a bandeira suiça. Pelo menos cinco tipos de Mickeys. E mais uns tantos, a caixa começava a ficar pequena.
Eu precisava me proteger. Quis casulo. Isso era eu, mexendo na caixa das botas que eu tinha comprado no inverno passado, que em um ataque de euforia de verão, joguei fora assim numa lixeira no meio da rua, botando havainas. Na caixa verde musgo, chaveiros dos noventa e cinco cantos do mundo, uns com nomes de ex namorados (amei mais de dez vezes pra sempre), mas imprescindívelmente, todos contando histórias. Fui guardar o mais novo chaveiro irlandês, presente de uma amiga que foi colonizar Dublin... Eleito a chaveiro da chave da minha casa, porque nunca se tem demais da Irlanda. Os chaveiros, longe, não cumpriam a sua única função de existir como chaveiros, souvenirs. Eles falavam, lembravam, reviviam, contavam, despertavam, arrancavam sorrisos de canto de boca de quando éramos felizes, ou éramos felizes de outro jeito, e que somos felizes de outra forma e cor agora.
Como um chaveiro, nem uma palavra quer ser só uma palavra, vem a tona querendo ser auto-relevo, viva, em toda a liberdade da função de ser uma palavra. Lembro que uma das primeiras palavras que aprendi a escrever foi "melancia", parecia gigante, uma estrada. Não lembro da primeira conta que fiz. A matemática me passou alheia, não deixou impressões... Mas as palavras sempre andaram vivas, nunca somente impressas ou escritas. Lembro do impulso de querer comprar um livro, de abusar do que eu acabara de aprender: ler. E as barbies que me perdoem, passei direto. Fui mais a fundo da própria definição de "hipertextualidade" para pensar sobre isso...
Segundo definições, hipertextualidade é a capacidade de um texto de oferecer a não-sequencialidade, caminhos e uma ordem que o leitor possa criar. O texto dentro do texto. Na atualidade, isso se aplica a livros eletrônicos com hiperlinks e uma leitora, digamos, personalizada. Isso não é de hoje, quem leu "O jogo da amarelinha" ficou louco e notou, mesmo sem conhecer a palavra, a hipertextualidade da coisa.
Ou quando uma palavra oferece um caminho que cabe o leitor ignorar, como ignorara as barbies, ou de ir andando na estrada da palavra "melancia".
Todas as linhas de pensamento me levam a crer que os sumérios não tiveram a menor idéia de ondem estavam se metendo, com essa coisa de escrever, simplesmente escrever, não falo de fazer literatura. E foi quando eu resolvi questionar a civilização da roda, da escrita, os sumérios. Não imagem um talkshow, eu me sentiria idiota. Em o "Estandarte de Ur", o primeiro HQ da humanidade, não foi intencionalmente uma obra de arte, mas apenas a contação de história, e a contação de história não foi só a contação de história de vitória do Grande Rei, foi a ostentação do poder, foi a hipertextualidade do primeiro quadrinho da história. A coisa dentro da coisa, dentro de outra intenção. Foi isso que eu entendi e comecei a ver o conceito matrioshka em tudo quanto é lugar. A idéia dentro da idéia. A intenção dentro da idéia. A vida é toda hipertextualizada e não sabe. A coisa de fazer a história como nos apetece. E eu fiquei tão obcecada com a coisa que achei ter achado a resposta pra vida (lógico que não).
Então eu notei que imagens poderiam também ser hipertextuais. Quero dizer, mostrar uma coisa e oferecer variados caminhos de entendimento da coisa. Como o Estandarte dos sumérios. Mas olhando ali pra caixa, percebi que os chaveiros falavam mesmo e que eles, sabe-se lá por que eu deixei, me definiam. Eu tenho essa teoria que todo mundo tem a escolha de se definir em uma frase "Meu nome é Rianne e eu tenho uma certa obsessão com impressionistas", a segunda oração poderia ser qualquer coisa, mas ainda mais sinteticamente, as pessoas podem escolher uma palavra para se definir, uma palavra da qual vai partir toda a hipertextualidade de sua definição. A minha poderia ser Norte, ou Girassol. Ou Direção, ou a falta dela, mas creio que seja mesmo Bússola.
E eu vou para a faculdade com a mesma mochila que eu ia parar a segunda série do fundamental. Talvez eu não tenha mudado tanto, mas eu vi muito e não amei pouco. Absorvo, vira exoesqueleto e eu absorvo de novo, só mudo o chaveiro... Dentro sou a mesma. Não mudei, talvez só faça mais força para evitar alguns defeitos, e o mesmo para as qualidades. No fim do dia, a nossa bússola aponta para o mesmo norte, os exoesqueletos se acumulam, mas a direção continua sempre para o norte.
E por isso eu precisava do casulo. Me proteger. Do casulo nasço de novo e produzo outro exoesqueleto. E quantas vezes for necessário, até eu chegar sabe-se lá onde o norte tenha fim.
Alguns dos meus casulos têm nome, sobrenome, outros têm latitude e longitude, outros têm formas de abraços, outros guardam ruguinhas de sorrisos. A verdade é que não jogo fora nem a mochila, nem me desfaço dos chaveiros porque quero que eles estejam sempre ali para me lembrar que não mudei, mas me acumulei, e não planejo implodir.
Pontuo.
[Idéias nascidas da matéria "Inovações no velho suporte", revista da Livraria Cultura do mês de Fevereiro]
Um pequeno pinóquio da Itália. Uma coisa da estação de trem Kazanskaya de Moscou. Um touro de Madrid. Um medalhão de Kirov. Um urso com uma blusa escrito 'London'. Uma minúscula boneca tirolesa. Um mini, mini, mini chimarrão. O brasão da polícia de New Jersey, de um career day. Uma miniatura que esbanjava a riqueza de Monaco e Monte-carlo. Uma mini gôndola me lembrando de Veneza. Um cachorro Bernardo com um barril de bebida e uma camisa com a bandeira suiça. Pelo menos cinco tipos de Mickeys. E mais uns tantos, a caixa começava a ficar pequena.
Eu precisava me proteger. Quis casulo. Isso era eu, mexendo na caixa das botas que eu tinha comprado no inverno passado, que em um ataque de euforia de verão, joguei fora assim numa lixeira no meio da rua, botando havainas. Na caixa verde musgo, chaveiros dos noventa e cinco cantos do mundo, uns com nomes de ex namorados (amei mais de dez vezes pra sempre), mas imprescindívelmente, todos contando histórias. Fui guardar o mais novo chaveiro irlandês, presente de uma amiga que foi colonizar Dublin... Eleito a chaveiro da chave da minha casa, porque nunca se tem demais da Irlanda. Os chaveiros, longe, não cumpriam a sua única função de existir como chaveiros, souvenirs. Eles falavam, lembravam, reviviam, contavam, despertavam, arrancavam sorrisos de canto de boca de quando éramos felizes, ou éramos felizes de outro jeito, e que somos felizes de outra forma e cor agora.
Como um chaveiro, nem uma palavra quer ser só uma palavra, vem a tona querendo ser auto-relevo, viva, em toda a liberdade da função de ser uma palavra. Lembro que uma das primeiras palavras que aprendi a escrever foi "melancia", parecia gigante, uma estrada. Não lembro da primeira conta que fiz. A matemática me passou alheia, não deixou impressões... Mas as palavras sempre andaram vivas, nunca somente impressas ou escritas. Lembro do impulso de querer comprar um livro, de abusar do que eu acabara de aprender: ler. E as barbies que me perdoem, passei direto. Fui mais a fundo da própria definição de "hipertextualidade" para pensar sobre isso...
Segundo definições, hipertextualidade é a capacidade de um texto de oferecer a não-sequencialidade, caminhos e uma ordem que o leitor possa criar. O texto dentro do texto. Na atualidade, isso se aplica a livros eletrônicos com hiperlinks e uma leitora, digamos, personalizada. Isso não é de hoje, quem leu "O jogo da amarelinha" ficou louco e notou, mesmo sem conhecer a palavra, a hipertextualidade da coisa.
Ou quando uma palavra oferece um caminho que cabe o leitor ignorar, como ignorara as barbies, ou de ir andando na estrada da palavra "melancia".
Todas as linhas de pensamento me levam a crer que os sumérios não tiveram a menor idéia de ondem estavam se metendo, com essa coisa de escrever, simplesmente escrever, não falo de fazer literatura. E foi quando eu resolvi questionar a civilização da roda, da escrita, os sumérios. Não imagem um talkshow, eu me sentiria idiota. Em o "Estandarte de Ur", o primeiro HQ da humanidade, não foi intencionalmente uma obra de arte, mas apenas a contação de história, e a contação de história não foi só a contação de história de vitória do Grande Rei, foi a ostentação do poder, foi a hipertextualidade do primeiro quadrinho da história. A coisa dentro da coisa, dentro de outra intenção. Foi isso que eu entendi e comecei a ver o conceito matrioshka em tudo quanto é lugar. A idéia dentro da idéia. A intenção dentro da idéia. A vida é toda hipertextualizada e não sabe. A coisa de fazer a história como nos apetece. E eu fiquei tão obcecada com a coisa que achei ter achado a resposta pra vida (lógico que não).
Então eu notei que imagens poderiam também ser hipertextuais. Quero dizer, mostrar uma coisa e oferecer variados caminhos de entendimento da coisa. Como o Estandarte dos sumérios. Mas olhando ali pra caixa, percebi que os chaveiros falavam mesmo e que eles, sabe-se lá por que eu deixei, me definiam. Eu tenho essa teoria que todo mundo tem a escolha de se definir em uma frase "Meu nome é Rianne e eu tenho uma certa obsessão com impressionistas", a segunda oração poderia ser qualquer coisa, mas ainda mais sinteticamente, as pessoas podem escolher uma palavra para se definir, uma palavra da qual vai partir toda a hipertextualidade de sua definição. A minha poderia ser Norte, ou Girassol. Ou Direção, ou a falta dela, mas creio que seja mesmo Bússola.
E eu vou para a faculdade com a mesma mochila que eu ia parar a segunda série do fundamental. Talvez eu não tenha mudado tanto, mas eu vi muito e não amei pouco. Absorvo, vira exoesqueleto e eu absorvo de novo, só mudo o chaveiro... Dentro sou a mesma. Não mudei, talvez só faça mais força para evitar alguns defeitos, e o mesmo para as qualidades. No fim do dia, a nossa bússola aponta para o mesmo norte, os exoesqueletos se acumulam, mas a direção continua sempre para o norte.
E por isso eu precisava do casulo. Me proteger. Do casulo nasço de novo e produzo outro exoesqueleto. E quantas vezes for necessário, até eu chegar sabe-se lá onde o norte tenha fim.
Alguns dos meus casulos têm nome, sobrenome, outros têm latitude e longitude, outros têm formas de abraços, outros guardam ruguinhas de sorrisos. A verdade é que não jogo fora nem a mochila, nem me desfaço dos chaveiros porque quero que eles estejam sempre ali para me lembrar que não mudei, mas me acumulei, e não planejo implodir.
Pontuo.
[Idéias nascidas da matéria "Inovações no velho suporte", revista da Livraria Cultura do mês de Fevereiro]
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