[Sobre o apagão no Nordeste dia 4 de Fevereiro]
[Dolly no meu lugar favorito do bairro, que hoje virou uma ponte, mas antes eram só pedras e mais hardcore]
Cheguei em casa, saindo do taxi, num tom de desespero, perguntei ao porteiro se eu teria que subir de escadas. Ao que ele respondeu que lógico que sim. Era o Meireles totalmente escuro e extremamente familiar. A idéia de subir doze andares de escada me pareceu insana então resolvi deitar no banco, no escuro, ninguém sendo dono de ninguém, com a minha música e a verdade de que os postes sugam a beleza das estrelas, e que elas foram teto por tanto tempo e só agora resolveram aparecer. Verdade seja dita, naquela seqüência de dias estava faltando só um apagão massivo para continuar na mesma linha de insanidade. Segunda-feira fomos assaltados, por algum esqueleto desses ambulantes viciados em crack na Beira-mar. Cartão postal. Já haviam tentado me assaltar, mas nunca tinham levado nada. E aquelas matérias de jornal de meio-dia dizendo para que você não reaja a um assalto... Eu nunca dei ouvidos. Trocando por miúdos, na sexta-feira, saindo do Muay Thai, dia do apagão, porque agora eu achava que qualquer pessoa queria me assaltar e precisava saber socar e chutar com técnica, saí de casa dizendo para a minha mãe que ia ao Pão de Açúcar comer sushi, que não tinha comida em casa. Era a primeira vez que eu andava na Beira-mar de novo depois do assalto, e pânico é a melhor palavra. Cheguei ao Pão de Açúcar, não serviam mais sushi. Com a fome de quem realmente não havia comido nada o dia inteiro e eram onze da noite, peguei um Nescau e sentei no café, liguei o iPod e abusei do wi-fi. Depois de alguns minutos um homem veio sentar comigo, simpático, e eu teria sido também se não fosse a coisa pós-assalto e a surreal vontade que ele simplesmente levantasse e me deixasse em paz. Fé na humanidade: abaixo de zero. Quando eu já estava só, prolongando a minha refeição-Nescau, as luzes do supermercado se apagaram, e eu só podia pensar que "ÓTIMO. arrastão". Continuei sentada, afinal, o que eram dois assaltos em uma semana, eu lembraria daqueles dias com apreço... A luz voltou em alguns minutos com o gerador, e a minha idéia começou a parecer absurda. Era quase meia-noite, peguei um taxi até o Subway da Beira-mar. As luzes já haviam voltado e eu finalmente conseguiria jantar-almoçar. Assim que pus os pés no Subway, a cidade ficou no escuro, e o que eu não sabia na hora, o Nordeste inteiro. O segurança disse que não era para que eu entrasse, já que eles não iam servir ninguém no escuro. Tive que ficar do lado de fora do Subway, esperando que todos os assaltantes tivessem a boa vontade de me dar um vale-assalto pelo dia. Fiz o segurança sentar comigo na mesa, fiquei lá meia-hora, até ele dizer que o Subway só ficava aberto até a meia-noite. Cruzei a rua e peguei um taxi no hotel da frente, de lá até a minha casa deu quatro reais. Mas se minha vida estiver valendo quatro reais, então que seja. E agora essa era eu, deitada no banco do meu prédio, com fome, no escuro. Pelo menos eu tinha as endorfinas e as estrelas. Sentimento estranho... Nunca vou esquecer de rir ali sozinha, autista, e de amar esse lugar como amei naquele segundo. Seria nossa despedida, uma coisa dolorosa, já que eu e a cidade havíamos nos fundido. A cidade sou eu, meu amor. Lembrei de outro dia quando eu tinha quase uma década de idade, deitada na neve, em New Jersey, fazendo um anjinho de neve, e o sentimento de absoluta felicidade era o mesmo, e que seja dito, o mesmo sentimento reproduzido sobre fome, assaltos, e que nesses dois pequenos momentos eu gostara de estar sozinha comigo genuinamente. As luzes dos carros eram as únicas coisas vivas na rua... A cidade sou eu, eu sou a cidade, meu amor.
[Eu no Arbart, em Moscou]
Bulat Okudzhava, compositor russo, escreveu sobre o Arbat, uma rua de Moscou. E creio que o meu equivalente seja o Meireles. Todo mundo tem esses lugares onde tem-se a impressão de que o vento não simplesmente passa, mas vem te encontrar.
Achei uma tradução que talvez passe a mensagem.
Somewhere around our last destination,
maybe, we'll thank our fate anyway,
only I wish that our homeland's transgression
wouldn't be turned to an idol some day.
Well, never mind, that's the way we are destined,
such is our fate: now we feast, now we fight...
Don't give up hope, hold it out, maestro,
keep meditating and feeling inspired.
Short are the years of our blithe adolescence
We’ve anything at all:
smiles, joys and everything,
one common moon for all,
one summer and one spring.
...Like songs, years go by very quickly.
I've changed all my views and my mood.
The yard is too small for me, really,
I’m going to leave it for good.
A minha maior infelicidade daquele dia foi a luz ter voltado. As estrelas desapareceram e tudo voltou a normalidade. All good, all wrong. Uns minutos depois me ligaram e fomos em uma dessas lanchonetes que funcionam como reposição pós-balada e finalmente jantei-almocei. E francamente, viver essa vida inteira no claro... Dá pra atingir a loucura facilmente.
Pontuo.
Cheguei em casa, saindo do taxi, num tom de desespero, perguntei ao porteiro se eu teria que subir de escadas. Ao que ele respondeu que lógico que sim. Era o Meireles totalmente escuro e extremamente familiar. A idéia de subir doze andares de escada me pareceu insana então resolvi deitar no banco, no escuro, ninguém sendo dono de ninguém, com a minha música e a verdade de que os postes sugam a beleza das estrelas, e que elas foram teto por tanto tempo e só agora resolveram aparecer. Verdade seja dita, naquela seqüência de dias estava faltando só um apagão massivo para continuar na mesma linha de insanidade. Segunda-feira fomos assaltados, por algum esqueleto desses ambulantes viciados em crack na Beira-mar. Cartão postal. Já haviam tentado me assaltar, mas nunca tinham levado nada. E aquelas matérias de jornal de meio-dia dizendo para que você não reaja a um assalto... Eu nunca dei ouvidos. Trocando por miúdos, na sexta-feira, saindo do Muay Thai, dia do apagão, porque agora eu achava que qualquer pessoa queria me assaltar e precisava saber socar e chutar com técnica, saí de casa dizendo para a minha mãe que ia ao Pão de Açúcar comer sushi, que não tinha comida em casa. Era a primeira vez que eu andava na Beira-mar de novo depois do assalto, e pânico é a melhor palavra. Cheguei ao Pão de Açúcar, não serviam mais sushi. Com a fome de quem realmente não havia comido nada o dia inteiro e eram onze da noite, peguei um Nescau e sentei no café, liguei o iPod e abusei do wi-fi. Depois de alguns minutos um homem veio sentar comigo, simpático, e eu teria sido também se não fosse a coisa pós-assalto e a surreal vontade que ele simplesmente levantasse e me deixasse em paz. Fé na humanidade: abaixo de zero. Quando eu já estava só, prolongando a minha refeição-Nescau, as luzes do supermercado se apagaram, e eu só podia pensar que "ÓTIMO. arrastão". Continuei sentada, afinal, o que eram dois assaltos em uma semana, eu lembraria daqueles dias com apreço... A luz voltou em alguns minutos com o gerador, e a minha idéia começou a parecer absurda. Era quase meia-noite, peguei um taxi até o Subway da Beira-mar. As luzes já haviam voltado e eu finalmente conseguiria jantar-almoçar. Assim que pus os pés no Subway, a cidade ficou no escuro, e o que eu não sabia na hora, o Nordeste inteiro. O segurança disse que não era para que eu entrasse, já que eles não iam servir ninguém no escuro. Tive que ficar do lado de fora do Subway, esperando que todos os assaltantes tivessem a boa vontade de me dar um vale-assalto pelo dia. Fiz o segurança sentar comigo na mesa, fiquei lá meia-hora, até ele dizer que o Subway só ficava aberto até a meia-noite. Cruzei a rua e peguei um taxi no hotel da frente, de lá até a minha casa deu quatro reais. Mas se minha vida estiver valendo quatro reais, então que seja. E agora essa era eu, deitada no banco do meu prédio, com fome, no escuro. Pelo menos eu tinha as endorfinas e as estrelas. Sentimento estranho... Nunca vou esquecer de rir ali sozinha, autista, e de amar esse lugar como amei naquele segundo. Seria nossa despedida, uma coisa dolorosa, já que eu e a cidade havíamos nos fundido. A cidade sou eu, meu amor. Lembrei de outro dia quando eu tinha quase uma década de idade, deitada na neve, em New Jersey, fazendo um anjinho de neve, e o sentimento de absoluta felicidade era o mesmo, e que seja dito, o mesmo sentimento reproduzido sobre fome, assaltos, e que nesses dois pequenos momentos eu gostara de estar sozinha comigo genuinamente. As luzes dos carros eram as únicas coisas vivas na rua... A cidade sou eu, eu sou a cidade, meu amor.
Bulat Okudzhava, compositor russo, escreveu sobre o Arbat, uma rua de Moscou. E creio que o meu equivalente seja o Meireles. Todo mundo tem esses lugares onde tem-se a impressão de que o vento não simplesmente passa, mas vem te encontrar.
Achei uma tradução que talvez passe a mensagem.
Somewhere around our last destination,
maybe, we'll thank our fate anyway,
only I wish that our homeland's transgression
wouldn't be turned to an idol some day.
Well, never mind, that's the way we are destined,
such is our fate: now we feast, now we fight...
Don't give up hope, hold it out, maestro,
keep meditating and feeling inspired.
Short are the years of our blithe adolescence
We’ve anything at all:
smiles, joys and everything,
one common moon for all,
one summer and one spring.
...Like songs, years go by very quickly.
I've changed all my views and my mood.
The yard is too small for me, really,
I’m going to leave it for good.
A minha maior infelicidade daquele dia foi a luz ter voltado. As estrelas desapareceram e tudo voltou a normalidade. All good, all wrong. Uns minutos depois me ligaram e fomos em uma dessas lanchonetes que funcionam como reposição pós-balada e finalmente jantei-almocei. E francamente, viver essa vida inteira no claro... Dá pra atingir a loucura facilmente.
Pontuo.
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