Há um ano atrás estávamos em Kamensk-uralskiy, uma cidadezinha russa próxima aos Montes Urais, faríamos estes snowboards de papelão com uma sacola em volta nessa descida ridicularmente infinita, lembro de sentar lá no fim daquela montanha de neve e pensar que isso é felicidade, e quando eu despensei, já não era mais, um momento e já foi. Nós cantávamos canções de Natal em pelo menos cinco línguas diferentes, e ninguém nunca mencionou Jesus, ali éramos nós, usando a desculpa do feriado. Nós jantamos ao ar livre quando fazia cerca de -20 lá fora, comíamos rápido o suficiente para tudo não virar uma pedra de gelo, ao mesmo tempo que corríamos para a fogueira que tínhamos feito. Eu posso lembrar de cada detalhe, do karaokê horrível, do espelhinho do banheiro. Um ano depois, em solo cearense, estou caminhando pela Beira-mar, quando resolvo que tenho que entrar por essa ruazinha, para ter certeza que eu tive o suficiente de um dos meus bairros de infância antes de partir, antes que eu vá e nada pareça o mesmo. A rua dava para o fundo do meu supermercado favorito, e na esquina abandonada, mal iluminada, e por que diabos estou aqui, vejo um homem corcunda carregando uma sacola, passando bem na minha frente. Parei e comecei a rir, do jeito como a vida abusa do sarcasmo, e duas vezes essa semana. O homem era o mesmo que tentara me assaltar quando eu tinha quatorze anos na Avenida Abolição, enquanto eu gritava "sái!" e saia correndo de volta para a Beira-mar. Não é como se eu fosse acordar um dia e simplesmente aceitar que eu vá ser assaltada, por isso, sem baixas aquele dia, apenas uns rushs de adrenalina e cenas muito rápidas. Há uns dias atrás, vagando com a Maísa, eu disse que tal sairmos daqui e irmos para o Del Paseo, e lá sentamos, discutimos o que é ser circular, a simbologia de escolher um biscoito, o futuro, o passada, a bagagem. E de repente, Taiane, a terceira parte de nos, simplesmente aparecendo, depois de cinco anos, reunidas, pelo acaso. Depois foi algo entre comprarmos sapatos e pedir para o vendedor tirar uma foto, pelo registro. Não me importo e não diminuo nem aumento ninguém, mas encontros casuais são os meus favoritos, seja com assaltantes ou amigos de longa data. E ultimamente Fortaleza tem estado bem propícia, tendo vida própria. Gosto muito da noite aqui. I do. E talvez eu tenha cansado sim de sempre ser passageira, sempre estar chegando, sempre estar indo embora. Mas talvez eu também não conheça outro tipo de vida. Não consigo pôr em um quadro o que é viver na mesma cidade a vida inteira, falar a mesma língua a vida inteira. É por isso que os meus encontros casuais se estendem a uma geografia ultra-mar. A Dolly está dormindo aqui, e eu não tenho nenhum conhecimento transcendental para dividir, por isso, pontuo, e um Feliz Capitalismo para todos, pelas luzinhas, pelos presentes, pelos jantares, e me desculpem, sei que a festa é de Jesus, mas vou de penetra mesmo.
(E quando as lembranças estiverem longe demais, quando Kamensk estiver longe demais, estará simplesmente longe ou já terá se tornado parte integrante de mim?)
(E eu que prometi publicação oficial até o fim do ano? Esqueçam isso. Tive um breakthrough e agora o buraco é mais embaixo, o tempo é meu, deixa que eu me resolvo com ele, também não tenho planos para morrer, então.)
(E quando as lembranças estiverem longe demais, quando Kamensk estiver longe demais, estará simplesmente longe ou já terá se tornado parte integrante de mim?)
(E eu que prometi publicação oficial até o fim do ano? Esqueçam isso. Tive um breakthrough e agora o buraco é mais embaixo, o tempo é meu, deixa que eu me resolvo com ele, também não tenho planos para morrer, então.)
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