Mas temos muito tempo, temos todo o tempo do mundo, cantava o meu alarme às 8 da manhã, e sair para um mundo com uma temperatura negativa não era um incentivo, a única coisa que eu levara em conta fora o tempo que eu estava perdendo, apesar de ter todo o tempo do mundo.
Eu juntei umas coisas, comi e saí de casa, poderia ter ficado. Eu esperei o sinal abrir para cruzar a rua, poderia ter continuado andando sem calcular v=s/t. Eu fui seguida por um cachorro que era um desses cachorros que anda sem coleira, continuei o caminho, ele do meu lado, subiu em uma montanha de neve e ficou ali, eu poderia ter perdido a aula e ficado ali, também.
Eu passei o meu cartão, entrei no hospital e disse bom dia, eu poderia ter passado por debaixo da catraca e ter me focado em não expressar nenhum sentimento de afeto. Eu vesti jaleco, eu troquei os sapatos, eu fui para a sala, abri os livros, eu poderia ter entrado de sapato sujo e ter dormindo com as pernas cruzadas em cima da mesa.
Eu esperei a professora, subimos, vimos pacientes, descemos, subimos, eu poderia ter dito que tinha gastrite ou só uma úlcera e ficado lá embaixo.
Mais do que nunca, eu tinha que fazer tudo baseado na consciência, sem ninguém ao meu lado para ensinar o certo e o errado - suponhe-se que eu já os sei. Se eu errasse, eu limpava. Se eu ficasse doente, não tinha carona e eu só ia ao médico se eu mesma me levasse. Se eu tivesse fome, eu tinha que encher a geladeira.
E eu tinha certeza: se alguém tivesse dito a uma criança que isso era ser adulto, nenhuma delas ia perder o seu tempo brincando de casinha.
Ali, com um jaleco socado dentro da mochila voltando pra casa, um mp3 prestes a descarregar eu culpava o meu alarme por dar aquele fio de esperança de que éramos jovens. Fomos jovens. Deveria mudar a música do alarme, acrescentei.
Eu poderia viver uma vida adulta, e vivo, não tem "mas", nessa versão da realidade já não tinha mais para onde correr. São felizes os irresponsáveis, que literalmente estão cagando para tudo isso e continuam a viver a versão da realidade inconsequente, continuam a se atrasar, a cruzar a rua sem o sinal verde, a dizer que têm úlceras e até gastrite.
Todo o resto do mundo segue a música, que apesar de dizer que somos jovens, só nos faz dar conta de como o tempo pesa mais ainda.
Eu deveria falar com o meu advogado sobre essa cláusula de ser adulta, pensei, enquanto cozinha o meu jantar. Logo em seguida, mudei a música do alarme. E o tempo não ficou mais leve - apenas disforme, pesado, invisível, onipresente, esmagador.
(E agora eu tinha que sair e comprar pão, porque o pão não se compra só, apesar de que quando se é criança, a comida tem essa tendência de simplesmente aparecer na geladeira.)
Quando é que a gente supera não ser mais criança?
Quando é que a gente supera não ser mais criança?
Em frente.
Pontuo.
Comentários
Ô povinho sem noção.
Belo artigo, parabéns!