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Uma linha reta é um zigue-zague.


Eles dizem que de um ponto podem partir infinitas retas.

Em teoria, é pura geometria. Na Rússia a teoria é posta em prática de um jeito que bota a paciência de dezenas de pessoas numa panela de pressão até que a panela exploda, a dona de casa contraia uma queimadura facial e paramédicos na ambulância passem a dizer que os médicos que vão tratá-la são os melhores quando eles realmente não sabem se há ali dano em algum nervo facial. Em outras palavras: caos.

Então eu estou sentada em um corredor esperando para tirar uma raio-x de check-up. Há como que três pessoas na minha frente e eu simplesmente sento lá e penso, bem, a partir do ponto que todas elas forem, eu entro, é matemática simples. Chegam mais pessoas. Eu sento, espero, me sinto ansiosa e inútil, com a única expectativa que uma pequena porção de radiação passe, por favor, pelos meu tórax neste confuso dia de primavera (o episódio se passou em meados de Abril). O resto do meu dia não estava planejado, eu acordara apenas pela pequena porção da radiação. A minha vez chegou, as três pessoas haviam entrado e saído e eu me levanto para entrar. Um ser, do qual a existência, apesar da vontade minha ser maior de fazê-lo mais de uma vez, vou ressaltar que é completamente inútil (e eu fico esperando por aqui mesmo que não só no campo da vida de fazer filas mas em qualquer outra empreitada que ele meta o nariz), gentilmente corta a fila, entrando bem na minha frente. Eu não sou uma pessoa de fazer escândalos e normalmente desprezo as pessoas a distância e isso me basta, mas me senti ali mesmo usurpada, uma corrente fulminante de sangue a me correr pela cabeça anormalmente e perguntei, meu senhor, eu cheguei aqui um tanto antes que você, por que você está passando na minha frente? (adicionar um tom passivo-agressivo aqui). Ao que ele responde: você não marcou o seu lugar na fila.

Então eu entendi.

Na Rússia não há a - cultura - de se - estar - em uma fila. As pessoas chegam e perguntam "quem é o último?", ao que um outro ser responde "eu" e ao que o primeiro ser replica "eu estou logo depois de você". O sistema, obviamente, é ridículo, porque dá o direito às pessoas de irem a qualquer outro lugar e fazer qualquer outra coisa que estar na fila, ou até mesmo de ocupar várias filas ao mesmo tempo (no exemplo do hospital, por exemplo).

O que havia acontecido no caso do raio-x é que o ser insignificante havia perguntando quem era o último e um ser mais insignificante ainda respondera que se tratava dele e deu-se a entender que ele então tinha o seu lugar na fila, e eu, enquanto simplesmente sentava ali sem fazer contato humano, não tinha. Acreditem ou não, eu já vi pessoas grávidas passarem por vexame porque não podiam passar na frente de todas as outras. Nesse segundo episódio eu fiquei realmente violenta e dei o meu "lugar marcado" para a menina grávida e saí e fui fazer qualquer outra coisa.

O buraco é muito mais em baixo.

E eu poderia passar a tarde aqui escrevendo sobre casos que envolvem o mau entendimento da pergunta "quem é o último?", ou simplesmente posso escrever que já vi o sistema falhar em filas de banheiro até a filas do teatro Bolshoi (sim, aquele para onde todas as meninas magrelas de Joinville querem ir).

E eu pulo a parte do banheiro e me retenho à fila do Teatro Bolshoi.

Estava tendo essa simpática tempestade de neve, esse é o fundo da nossa história. Estamos na frente do teatro esperando para que a bilheteria abra, acontece que duas horas antes do espetáculo eles vendem ingressos para estudantes ao preço de cem rublos (=R$6), ingressos que outrora custariam números em margens... orbitais. Chegavam todas essas pessoas dizendo que o seu lugar na fila estava ocupado, porque já havia alguém esperando por elas lá na frente. Interessantemente, os habitantes desta mesma fila debaixo de neve e sob frio começam a fazer uma lista numerada com o sobrenome das pessoas, já que a idéia de simplesmente ficar ali em linha reta é complicada demais. Então eu olho para a lista e ela está completamente molhada, esse garoto altamente ignorante começa a gritar com a minha amiga que perdera a paciência há vinte minutos atrás mas explodira só agora. O Senhor Gentil começa a gritar e eu penso uau, gritar com uma mulher, que cavalheiro. A discussão chegou a um ponto que ele ameaçou eu e a minha amiga contra a grade (música de drama aqui), ao que ela replicava que ia chamar a polícia, enquanto tudo isso acontecia eu mantinha a minha plena cara de WTF. Em algum momento ele desistiu de nos prender contra a grade para que não entrássemos na bilheteria e saiu, enquanto eu desejava que ele morresse de câncer de próstata.

Eu gostaria muito de dizer que isso tudo é ficção, mas esse tipo de bruto existe.

Então nós apelamos para a contra-violência e entramos na bilheteria, conseguimos os dois ingressos por seis reais (sim, seis reais por aquele espetáculo que as meninas de Joinville se matam para ir).

Então, Brasil, é isso: apesar do mundo ser mundo em todos os pontos do mundo e de qualquer ponto poder partir infinitas retas, isso não quer dizer que uma reta é sempre uma reta partida desses pontos, às vezes ela se expressa em completo caos, zigue-zague e desentendimento geral em relação a um sistema que talvez afunde este país. Ou estaria eu apenas tendo um choque cultural? Um argumento poderia ser feito de que não, que aquelas primeiras aulas de geometria que eu tivera na vida realmente estão subindo a minha cabeça e entrando em confronto com a realidade. No mais, tirando a falta do completo entendimento do que é uma linha reta, a Rússia consegue ter sucesso em vários outros campos: por algum motivo eles lançaram satélites e transportaram humanos ao espaço antes de qualquer outro país, mas fazer uma linha reta tem se mostrado um desafio de proporção nacional.

Depois de ter minha carteira roubada e ter de aguentar a atitude de um louco que no meu país provavelmente seria lixado pela respectiva atitude, pretendo recuperar minha fé na humanidade em uma cidadezinha em um ponto x da Escandinávia onde vive minha irmã, e para onde está chegando minha mãe e meu irmão.

Se me perguntarem em qualquer ponto da minha vida uma coisa sobre a Escandinávia eu posso dizer: aparentemente lá as pessoas entendem o conceito de uma linha reta. Eu poderia dizer e ir além que isso afeta diretamente no desenvolvimento de um país, mas eu não me sentiria bem chegando a essa conclusão sem um estudo sociológico próprio.

Então eu simplesmente apresento os fatos e deixo ao leitor mesmo tirar suas conclusões (o que também é conhecido como golpe baixo).

Bem, depois de perder minha última parcela de fé na humanidade nós fomos ao Tsum (um shopping de meninas de alte classe em Moscou) e nos deparamos com uns manequins interessantes em uma loja qualquer. Agora, isso não tem absolutamente nenhuma ligação com o que foi discutido acima, mas o que é exótico e não faz sentido ALGUM deve sempre ser dividido, porque o absurdo é extremamente interessante em qualquer contexto, certo?

Em um tempo breve eu estarei escrevendo sobre um final de semana aleatório com minha família na Escandinávia e sobre poemas russos sobre a segunda guerra mundial e uma brasileiros os recitando para russos (e o fato de que um departamento inteiro de língua russa da faculdade além de me presentear constantemente com chocolates usa constantemente o termo "esperança da nossa universidade na etapa nacional da olimpíada de russo). E eu creio que o chocolate seja apenas parte do plano interessante para aliviar o pânico de toda a responsabilidade que isso venha a trazer. Mas é só uma hipótese.

E eu os deixo com os manequins.

Pontuo.

Comentários

paraneura disse…
amei seu blog visite meu

http://paraneura.blogspot.com/

bjo!
Pacman disse…
Dá-lhe tempo para se acostumar com os controles e, francamente, achei os controles um pouco decepcionante. Aqui, um jogador usa as teclas de setas para mover para a esquerda e direita, mas é um pouco mais lento. Mas o mais difícil aqui é que você deve planejar seus movimentos com antecedência e poderia imaginar onde o fantasma aparece.
Um brasileiro disse…
oi. estive por aqui dando uma olhada. muito legal. apareça por la. abraços.
Anônimo disse…
to apaixonada por esse blog e por você também, quantos anos você tem ?

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